A frase do título é habitualmente atribuída a Lenin. Confesso que nunca pesquisei para saber se há algum escrito seu em que o aforismo apareça, mas pouco importa: as práticas de detratores da democracia em sua luta pelo poder invariavelmente lançam mão desse expediente. No manjado "1984" isso é retratado pela "novilíngua", e Gramsci refinou os mecanismos de manipulação do discurso que tornaram a luta política algo parecido com aquele quadro televisivo em que uma pessoa deveria escolher entre uma mariola e um carro novo sem ouvir qual era a opção.
Esse recurso de retórica, ao lado de outros, é a própria linguagem dos regimes totalitários. Quando o ditador da Coréia do Norte morreu, há algumas semanas, a carta de condolências do PC do B foi uma das leituras mais hilariantes que apareceram. É tão delirantemente dissociada da realidade que só pode mesmo ter alguma função como piada - acho pouco provável que alguém a tenha traduzido para o coreano e entregue no "comitê central" do partido comunista norte-coreano. Seja como for, a linguagem daquele regime é a mesma: enquanto as pessoas morrem de fome porque não há comida para todos, as virtudes de um líder que mandava buscar as melhores iguarias onde quer que fossem encontradas em todo o mundo, e gastava quase um milhão de dólares por ano em conhaque Henessy, eram saudadas com superlativos que até mesmo no Brasil seriam considerados crime eleitoral. Bem, nao há eleições na coréia do norte...
A desocupação da favela paulistana do Pinheirinho, essa semana, deu ensejo a diversas manifestações contrárias ao cumprimento da ordem judicial pela polícia - e a uma nova interpretação e aplicação da Lei de Godwin, notável por sua larga abrangência. Essas manifestações foram coroadas por um infeliz "cartum" de Carlos Latuff: a suástica encimada por uma águia, símbolo utilizado pela alemanha nazista, foi alterada, e no lugar da águia, há um tucano de expressão iracunda.
Não deveria ser novidade. Todos os "cartuns" de Latuff são característicamente binários e simplistas. Seu traço pouco refinado, não por acaso, remete a histórias em quadrinhos de super-heróis (as quais, imagino, ele deve odiar, produto do "imperialismo" que são), com a diferença que até mesmo nesses enredos de fantasia há um pouco da complexidade moral do mundo real que Latuff pretende não existir.
Nos cartuns de Latuff sobre as guerras no Iraque e Afeganistão, por exemplo, soldados voluntários (não há convocação nos EUA desde a guerra do Vietnã) são retratados ora como ingênua massa de manobra, ora como cães-de-fila da indústria petrolífera. Latuff também comete diversos desenhos sobre os problemas palestinos. Um dos mais escandalosos transforma judeus em nazistas - com o requinte de retratá-los com o uniforme idêntico ao dos guardas de campos de conentração alemães. Latuff também saúda o Taliban e o Hamas como uma espécie de liga de super-heróis, em poses características, exaltando a violência e as práticas terroristas dessas organizações. O cartunista desfila habitalmente com uma keffiyah, espécie de cachecol notabilizado por Yasser Arafat, em volta do pescoço - a peça, largamente usada no oriente médio, ironicamente é utilizada também por soldados das forças especiais americanas e inglesas que lá atuam.
Para Latuff - que nutre, aparentemente, verdadeiro fetiche pela suástica - o massacre sistemático de seis milhões de judeus em câmaras de gás e fuzilamentos sumários, por um regime absolutamente insano, é a mesma coisa que os confrontos na faixa de gaza. Certamente, se confrontado, ele dirá que seus desenhos em nada diferem dos cartuns dinamarqueses que tiraram sarro das vertentes radicais do islã e seus homens-bomba - mas um labrador pouco inteligente nota facilmente a diferença.
Carlos Latuff flerta com o mesmo anti-semitismo grosseiro de que acusa meio mundo, do governador de São Paulo ao exército americano e aos próprios habitantes de Israel. Para Latuff, o cumprimento de uma ordem judicial, dependendo de contra quem for dirigido, equivale a nazismo - um regime que causou o maior conflito armado de que o mundo tem notícia, e produziu 73 milhões de mortos ente militares e civis.
Nem seria preciso lembrar da crueldade fetichista do nazismo, da qual Latuff parece não ter notícia: esterilizações em massa, assasinato sistemático de ciganos, homossexuais, judeus, poloneses etc.
Para Latuff, a desocupação por ordem judicial de uma favela é a mesma coisa que o massacre perpetrado pela SS em Oradour-sur-Glane.
Para Latuff, a troca de agressões entre judeus e palestinos iguala os primeiros, ao se defenderem, aos grupos de extermínio nazistas que fuzilavam sumariamente mulheres e crianças no gueto de Varsóvia.
Seus cartuns são reveladores de uma mente atrofiada e fetichista, segundo a qual o mundo é dividido apenas entre oprimidos e opressores, sem quaisquer considerações sobre o contexto em que os acontecimentos se dão. A mentalidade de Latuff ignora as gigantescas estruturas construídas no ocidente que garantiram, por exemplo, que a discussão sobre a desocupação da favela Pinheirinho se desse sob o devido processo legal - não se trata, é evidente, do arbítrio e da força militar da Waffen-SS.
Carlos Latuff, se um dia tivesse poder, faria com seus opositores tudo aquilo que ele gosta de dizer que é feito contra aqueles que gozam de sua simpatia - sem penasr duas vezes. O maior sintoma disso é ele ter posto suas habilidades ao serviço de uma "causa" de maneira tão escandalosa. Sua visão obtusa e simplista, que venera a violência, é profundamente antidemocrática. Fico a imaginar o que ele pensa ao assistir "Gritos do Silêncio" - deve torcer pelos ossos.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Anthrax
No "Big 4", o Anthrax foi a banda de abertura - o que pode ser considerado injusto, dependendo de pra quem você pergunte. Há muita gente que diria que eles deveriam encerrar a noite.
Como a música em praticamente qualquer gênero acaba imiscuida com aspectos corporativos e mercadológicos, foi o Metallica a fechar a noite em shows que devem ter sido veradeiramente incríveis - se começa com Anthrax, o que pode vir depois?
O Metallica operou a transição entre "And Justice For All" e o "Disco Preto" (como se todos os discos não fossem pretos); o Megadeth lançou "Rust in Peace" e seguiu na cola do "Preto" com o excelente "Countdown to Extinction" - depois disso, as duas bandas se perderam um pouco. É verdade que o Megadeth custou mais a se perder - ainda teve "Youthanasia" e "Cryptic Writings" antes do grande fiasco "Risk", uma tentativa de tornar o som mais comercial com a produção de Dann Huff, uma espécie de Rick Bonadio da música caipira (no mau sentido) americana. O Metallica começou a desandar logo depois do "Disco Preto", com "Load" e "Reload", discos que embora não sejam ruins, não fazem justiça ao material que a banda havia até então produzido. E não se trata apenas dos riscos de se "experimentar"; os dois discos têm poucas músicas realmente boas, soam como uma banda tentando deliberadamente fazer algo que não sabe; a mesma coisa aconteceu com o Megadeth em "Risk", uma diluição exagerada da sonoridade que, até então, vinha sendo conservada sob a formação mais duradoura que a banda já teve.
Sobram o Slayer e o Anthrax.
O Slayer é uma verdadeira reserva moral do thrash metal, jamais tendo decepcionado seu público com experimentações angustiadas ou trazendo a crise da meia idade para dentro do estúdio. O disco que mais se aproximou de um deslize foi "Diabolus in Musica", de 1998. Sob o impacto do chamado "nu metal" cometido por bandas como Korn e congêneres, essa sonoridade parece ter alguma influência sobre as faixas de "Diabolus". Poucas músicas desse disco são tocadas ao vivo pela banda - no show em Curitiba, em junho de 2011, apenas uma, a mediana (perto de "War Esnsemble" e "Catalyst") "Stain of Mind". Depois disso, o Slayer retomou a meada de grandes discos - a qual talvez nunca supere "Divine Intervention", o encontro do Slayer com uma sonoridade moderna, cheia e exuberante, muito mais viva que as mixagens agudas e magras dos discos de thrash metal dos anos 80.
Já o Anthrax teve uma trajetória mais parecida com a do o Black Sabbath, banda que é uma espéciede pedra de roseta do metal. O Black Sabbath, como todo mundo sabe, teve duas fases distintas: Ozzy e Dio, assim como o Deep Purple teve Ian Gillan primeiro e Coverdale/Hughes depois.
Em ambos os casos, os vocalistas da "primeira fase" (ou "Mk I", no caso do Purple), acabarabm voltando depois de muitas atribulações - o que aconteceu há mais tempo com o Deep Purple e muito recentemente com o Black Sabbath, que anunciou há pouco uma reunião da formação clássica que incluirá disco, tour e etc.
A mesma coisa aconteceu com o Anthrax.
Antes mesmo que Joey Belladona se notabilizasse como a voz dos primórdios do Anthrax, a banda teve outro vocalista - e outro baixista, Dan Lilker, o qual saiu e (felizmente) organizou o excelente Nuclear Assault. Com a saída do vocalista Neil Turbin - que gravou "Fistful of Metal" - o posto foi ocupado por Joey Belladona, um descendente mestiço de índios e italianos cujos vocais iam por uma linha mais aguda de metal clássico como Iron Maiden e Judas Priest. Com ele, o Anthrax gravou "Spreading the Disease", "Among the Living", "State of Euphoria" e "Persistence of Time", nos quais está o material verdadeiramente clássico da banda - Madhouse, Medusa, Caught in a Mosh, I Am The Law, Indians, In My World e outras.
Belladona saiu da banda e John Bush entrou; vieram "Sound of White Noise", "Stomp 442", "Vol. 8" e "We´ve Come for you All", o último lançado no longínquo 2003. Outra parte do material clássico do Anthrax está nesses discos - Only, Room for One More, Random Acts of Senseless Violence, Riding Shotgun, Inside Out - e as excelentes "Nobody Knows Anything" e "Refuse to be Denied", de "We´ve Come". Seja como for, talvez jamais sejam tocadas daqui em diante pelo Anthrax - Bush saiu de vez, Belladona voltou e adiantou que prefere não cantar músicas que o primeiro tenha gravado - mais ou menos como a rivalidade entre Ozzy e o saudoso Dio. No caso do Anthrax, há exceções: "Only", um dos maiores sucessos da banda, é frequentemente cantada por Belladona nos shows mais recentes.
O retorno do vocalista original foi fragmentado - a banda reuniu a formação clássica para shows em que "Among the Living" foi tocado do começo ao fim (entre 2005 e 2007), e depois Belladona declarou que sua participação se resumiria a isso, e se retirou mais uma vez. A banda então recruotu Dan Nelson, e o sacou logo em seguida para uma reunião com John Bush em 2009. Em 2010, Bush saiu definitivamente e Belladona voltou, e regravou os vocais de "Worship Music" (já gravados por Nelson), lançado em 13 de setembro de 2011 - um hiato de 8 anos desde "We've Come For You All".
Mais ou menos como quando o Black Sabbath gravou o infame "Born Again", com Ian Gillan nos vocais - apenas um pouco mais confuso.
As similitudes param por aí - porque o Sabbath lançou material bastante decepcionante durante sua trajetória (com destaque para o mencionado "Born Again"), mas o Anthrax não.
Mesmo entre conturbadas mudanças de formação, a banda sempre gravou bons discos, os quais jamais padeceram da falta de vigor e entusiasmo que há tempos assombra o Metallica. As mudanças na sonoridade, é claro, são evidentes: com o ingresso de John Bush, a banda passou a adotar andamentos mais vagarosos, riffs mais espaçados; em um certo sentido, fundaram a vertente que Biohazard e outras bandas similares fizeram florescer. A velocidade de "Caught in a Mosh" passou a ser episódica, ao passo em que, naqueles primeiros discos, os andamentos pesados e mais arrastados é que eram a exceção. Entretanto, as músicas nunca deixaram de entusiasmar, e de ter uma pegada característica - distinguível mesmo entre as diferenças das eras de Belladona e Bush. O Anthrax nunca se pejou de trazer outros elementos para o seu som, como prova a parceria com o Public Enemy em "Bring the Noise" - mas jamais permitiu que isso o diluísse ou o tornasse irreconhecível.
A sonoridade dos discos gravados com John Bush não era imprevisível, mas uma evolução natural do som da banda - subordinada, em certa medida, ao timbre mais grave e estilo mais cadenciado do novo vocalista. Todos os álbuns gravados por ele são bons, e aquilo que não é memorável jamais soa como uma tentativa de emular o som da ocasião, ou fazer cover de si mesmo. Anthrax sempre soou como Anthrax; jamais perdido, jamais equivocado; sempre honesto.
A diferença na sonoridade do Anthrax das eras Belladona e Bush é tão perceptível quanto aquela entre "Vol. 4" e "Heaven and Hell" - é uma escolha difícil dizer qual é o melhor. A decisão acaba sempre tendo mais relação com memória afetiva do que qualquer outra coisa. No fundo, é uma benção que tanto o Black Sabbath quanto o Anthrax tenham lançado os discos que lançaram. "Among the Living" e "Persistence of Time" são marcos tão indeléveis quanto "Sound of White Noise" e "Vol. 8" - não há nada de errado, afinal, em preferir qualquer um deles.
Com o recente retorno de Belladona, a banda gravou o excelente "Worship Music", uma perfeita síntese da sonoridade criada pelo Anthrax ao longo de 30 anos. O vocalista regravou os vocais de Dan Nelson, e diz-se que houve alterações nas faixas para acomodar o amadurecido timbre de Belladona. No final das contas, pouco importa: "Worship" é um grande disco, um dos melhores a ser lançado em 2011 e penhor seguro de que o metal de verdade nunca morrerá.
Como a música em praticamente qualquer gênero acaba imiscuida com aspectos corporativos e mercadológicos, foi o Metallica a fechar a noite em shows que devem ter sido veradeiramente incríveis - se começa com Anthrax, o que pode vir depois?
O Metallica operou a transição entre "And Justice For All" e o "Disco Preto" (como se todos os discos não fossem pretos); o Megadeth lançou "Rust in Peace" e seguiu na cola do "Preto" com o excelente "Countdown to Extinction" - depois disso, as duas bandas se perderam um pouco. É verdade que o Megadeth custou mais a se perder - ainda teve "Youthanasia" e "Cryptic Writings" antes do grande fiasco "Risk", uma tentativa de tornar o som mais comercial com a produção de Dann Huff, uma espécie de Rick Bonadio da música caipira (no mau sentido) americana. O Metallica começou a desandar logo depois do "Disco Preto", com "Load" e "Reload", discos que embora não sejam ruins, não fazem justiça ao material que a banda havia até então produzido. E não se trata apenas dos riscos de se "experimentar"; os dois discos têm poucas músicas realmente boas, soam como uma banda tentando deliberadamente fazer algo que não sabe; a mesma coisa aconteceu com o Megadeth em "Risk", uma diluição exagerada da sonoridade que, até então, vinha sendo conservada sob a formação mais duradoura que a banda já teve.
Sobram o Slayer e o Anthrax.
O Slayer é uma verdadeira reserva moral do thrash metal, jamais tendo decepcionado seu público com experimentações angustiadas ou trazendo a crise da meia idade para dentro do estúdio. O disco que mais se aproximou de um deslize foi "Diabolus in Musica", de 1998. Sob o impacto do chamado "nu metal" cometido por bandas como Korn e congêneres, essa sonoridade parece ter alguma influência sobre as faixas de "Diabolus". Poucas músicas desse disco são tocadas ao vivo pela banda - no show em Curitiba, em junho de 2011, apenas uma, a mediana (perto de "War Esnsemble" e "Catalyst") "Stain of Mind". Depois disso, o Slayer retomou a meada de grandes discos - a qual talvez nunca supere "Divine Intervention", o encontro do Slayer com uma sonoridade moderna, cheia e exuberante, muito mais viva que as mixagens agudas e magras dos discos de thrash metal dos anos 80.
Já o Anthrax teve uma trajetória mais parecida com a do o Black Sabbath, banda que é uma espéciede pedra de roseta do metal. O Black Sabbath, como todo mundo sabe, teve duas fases distintas: Ozzy e Dio, assim como o Deep Purple teve Ian Gillan primeiro e Coverdale/Hughes depois.
Em ambos os casos, os vocalistas da "primeira fase" (ou "Mk I", no caso do Purple), acabarabm voltando depois de muitas atribulações - o que aconteceu há mais tempo com o Deep Purple e muito recentemente com o Black Sabbath, que anunciou há pouco uma reunião da formação clássica que incluirá disco, tour e etc.
A mesma coisa aconteceu com o Anthrax.
Antes mesmo que Joey Belladona se notabilizasse como a voz dos primórdios do Anthrax, a banda teve outro vocalista - e outro baixista, Dan Lilker, o qual saiu e (felizmente) organizou o excelente Nuclear Assault. Com a saída do vocalista Neil Turbin - que gravou "Fistful of Metal" - o posto foi ocupado por Joey Belladona, um descendente mestiço de índios e italianos cujos vocais iam por uma linha mais aguda de metal clássico como Iron Maiden e Judas Priest. Com ele, o Anthrax gravou "Spreading the Disease", "Among the Living", "State of Euphoria" e "Persistence of Time", nos quais está o material verdadeiramente clássico da banda - Madhouse, Medusa, Caught in a Mosh, I Am The Law, Indians, In My World e outras.
Belladona saiu da banda e John Bush entrou; vieram "Sound of White Noise", "Stomp 442", "Vol. 8" e "We´ve Come for you All", o último lançado no longínquo 2003. Outra parte do material clássico do Anthrax está nesses discos - Only, Room for One More, Random Acts of Senseless Violence, Riding Shotgun, Inside Out - e as excelentes "Nobody Knows Anything" e "Refuse to be Denied", de "We´ve Come". Seja como for, talvez jamais sejam tocadas daqui em diante pelo Anthrax - Bush saiu de vez, Belladona voltou e adiantou que prefere não cantar músicas que o primeiro tenha gravado - mais ou menos como a rivalidade entre Ozzy e o saudoso Dio. No caso do Anthrax, há exceções: "Only", um dos maiores sucessos da banda, é frequentemente cantada por Belladona nos shows mais recentes.
O retorno do vocalista original foi fragmentado - a banda reuniu a formação clássica para shows em que "Among the Living" foi tocado do começo ao fim (entre 2005 e 2007), e depois Belladona declarou que sua participação se resumiria a isso, e se retirou mais uma vez. A banda então recruotu Dan Nelson, e o sacou logo em seguida para uma reunião com John Bush em 2009. Em 2010, Bush saiu definitivamente e Belladona voltou, e regravou os vocais de "Worship Music" (já gravados por Nelson), lançado em 13 de setembro de 2011 - um hiato de 8 anos desde "We've Come For You All".
Mais ou menos como quando o Black Sabbath gravou o infame "Born Again", com Ian Gillan nos vocais - apenas um pouco mais confuso.
As similitudes param por aí - porque o Sabbath lançou material bastante decepcionante durante sua trajetória (com destaque para o mencionado "Born Again"), mas o Anthrax não.
Mesmo entre conturbadas mudanças de formação, a banda sempre gravou bons discos, os quais jamais padeceram da falta de vigor e entusiasmo que há tempos assombra o Metallica. As mudanças na sonoridade, é claro, são evidentes: com o ingresso de John Bush, a banda passou a adotar andamentos mais vagarosos, riffs mais espaçados; em um certo sentido, fundaram a vertente que Biohazard e outras bandas similares fizeram florescer. A velocidade de "Caught in a Mosh" passou a ser episódica, ao passo em que, naqueles primeiros discos, os andamentos pesados e mais arrastados é que eram a exceção. Entretanto, as músicas nunca deixaram de entusiasmar, e de ter uma pegada característica - distinguível mesmo entre as diferenças das eras de Belladona e Bush. O Anthrax nunca se pejou de trazer outros elementos para o seu som, como prova a parceria com o Public Enemy em "Bring the Noise" - mas jamais permitiu que isso o diluísse ou o tornasse irreconhecível.
A sonoridade dos discos gravados com John Bush não era imprevisível, mas uma evolução natural do som da banda - subordinada, em certa medida, ao timbre mais grave e estilo mais cadenciado do novo vocalista. Todos os álbuns gravados por ele são bons, e aquilo que não é memorável jamais soa como uma tentativa de emular o som da ocasião, ou fazer cover de si mesmo. Anthrax sempre soou como Anthrax; jamais perdido, jamais equivocado; sempre honesto.
A diferença na sonoridade do Anthrax das eras Belladona e Bush é tão perceptível quanto aquela entre "Vol. 4" e "Heaven and Hell" - é uma escolha difícil dizer qual é o melhor. A decisão acaba sempre tendo mais relação com memória afetiva do que qualquer outra coisa. No fundo, é uma benção que tanto o Black Sabbath quanto o Anthrax tenham lançado os discos que lançaram. "Among the Living" e "Persistence of Time" são marcos tão indeléveis quanto "Sound of White Noise" e "Vol. 8" - não há nada de errado, afinal, em preferir qualquer um deles.
Com o recente retorno de Belladona, a banda gravou o excelente "Worship Music", uma perfeita síntese da sonoridade criada pelo Anthrax ao longo de 30 anos. O vocalista regravou os vocais de Dan Nelson, e diz-se que houve alterações nas faixas para acomodar o amadurecido timbre de Belladona. No final das contas, pouco importa: "Worship" é um grande disco, um dos melhores a ser lançado em 2011 e penhor seguro de que o metal de verdade nunca morrerá.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Batalha dos Aflitos
Hoje na hora do almoço, assistindo o telejornal, reconheci um Oficial da PM do Rio de Janeiro que foi preso por acusações de corrupção. A matéria dizia apenas que ele era árbitro de futebol, mas nada sobre sua atuação mais célebre nos gramados.
E eu o reconheci justamente porque, naquela tarde, as câmeras instaladas no Campo dos Aflitos o filmaram, por horas, tentando controlar os jogadores que disputavam a última vaga (acho que era isso) na série A daquele ano, depois de lances polêmicos, expulsões, pênaltis cobrados e sucessivamente anulados, mais expulsões e outras anomalias.
Todos viram a eletrizante "Batalha dos Aflitos", que virou o documentário apropriadamente chamado "Inacreditável". Lembro da minha incredulidade com os acontecimentos naquela tarde. Minha mãe, que acompanha o futebol muito ocasionalmente, me telefonou e perguntou: "você está vendo isso?" - exatamente assim, sem se referir ao jogo ou ao canal em que ele passava, subentendido que eu sabia do que ela falava - e eu disse que sim, e ela disse que iria desligar e me ligar depois que a partida terminasse, quando quer que isso fosse.
Foi um espetáculo, a Batalha dos Aflitos. Uma dose forte daquilo que chamamos, meio de brincadeira, de "magia do futebol" - o imponderável, o acaso, a aleatoriedade que quase inutiliza o conjunto de regras do futebol e o transforma em outra coisa.
Em muitas ocasiões, os árbitros influem de maneira decisiva e sumária, com a eficiência de uma guilhotina em um lance rápido que decide a partida implacavelmente, como o juiz que não viu Maradona fazer o gol com a mão, ou o desgraçado que apitou o fim enquanto a bola cabeceada (ou chutada?) por Zico viajava para o fundo do gol.
Mas, na Batalha dos Aflitos, a agonia durou horas. Não foi um corte rápido e limpo. Torcedores do Grêmio e do Náutico ficaram pendurados no pincel enquando o jogo se degenerou em uma rixa, paralisado por horas.
Tudo poderia ter sido mais simples e menos épico, não fosse pela atuação ridícula do árbitro Djalma Beltrami. De certa forma e ironicamente, se ele fosse um bom árbitro - aliás, se ele fosse um bom homem - talvez a história de heroísmo daquele jogo jamais tivesse acontecido.
Aquele jogo renhido só virou uma "batalha" porque o árbitro permitiu. Eu não gosto de vaticinar e cagar regra, mas lembro de ter pensado, quando vi ele dar o primeiro passo para trás, acuado por um jogador, que aquilo não ia dar certo. E não deu - Djalma Beltrami expulsou todos os jogadores possíveis antes de ser obrigado a encerrar a partida por WO. Correu pelo gramado acuado por jogadores das duas equipes, como uma galinha cercada para ser abatida. Foi chutado, levou socos - e continuou sendo humilhado pelos jogadores por longo tempo, até que as coisas foram se acalmando.
Foi o próprio Djalma Beltrami que criou essa situação - para ele, para as torcidas do Náutico e Grêmio e para quem assistiu aquele jogo entre a agonia e a euforia. E isso tudo aconteceu apenas porque Beltrami é um frouxo, um homem sem caráter; leniente quando deveria, por seu ofício, ser rigoroso.
É evidente que o árbitro, sozinho ou com a ajuda de seus auxiliares, não pode fazer frente a 11 ou a 22 homens dispostos a lhe surrar - por isso mesmo é que ele exerce sua autoridade antes que isso aconteça. Além de organizar o jogo, aplicar as penalidades e disciplinar os jogadores, cabe ao árbitro impedir uma escalada que culmine, justamente, com a deterioração da sua autoridade dentro do campo. De certa forma, é muito parecido com o tipo de liderança militar que sargentos e oficiais devem exercer: por meio da disciplina e da imposição de respeito.
Mas o ábritro de futebol também é um pouco como um carcereiro: desarmado, cuida de um contingente de pessoas muito superior, está sempre em desvantagem numérica e apenas por meio de uma relação muito complexa com seus vigiados é que ele sobrevive e consegue, em última análise, levar a cabo o seu ofício.
Beltrami não soube fazer uma coisa nem outra: nem liderar, nem impor respeito; não conseguiu impedir que sua autoridade fosse questionada e, depois, desaparecesse.
Não é, portanto, grande surpresa que seja corrupto na sua profissão "verdadeira", a de Policial Militar. Tenete-coronel da PM do Rio, Beltrami comandava um Batalhão e, ao invés de coibir o crime, havia se imiscuído a ele, cobrando propinas para deixar de fazer o que deveria - de forma parecida com a qual não fez o que deveria ter feito na partida que se tornou uma "batalha".
Quando vi na televisão que ele foi preso porque é corrupto, não me surpreendi: é o que se pode esperar, afinal, do homem frouxo, sem caráter, descrente da própria autoridade, da finalidade e importância da sua ocupação.
Amigo da bandidagem que é, Djalma Beltrami vai apitar peladas no pátio da penita - mas certamente não vai errar como errou nos Aflitos, sendo o buraco, na cadeia, muito mais embaixo.
E eu o reconheci justamente porque, naquela tarde, as câmeras instaladas no Campo dos Aflitos o filmaram, por horas, tentando controlar os jogadores que disputavam a última vaga (acho que era isso) na série A daquele ano, depois de lances polêmicos, expulsões, pênaltis cobrados e sucessivamente anulados, mais expulsões e outras anomalias.
Todos viram a eletrizante "Batalha dos Aflitos", que virou o documentário apropriadamente chamado "Inacreditável". Lembro da minha incredulidade com os acontecimentos naquela tarde. Minha mãe, que acompanha o futebol muito ocasionalmente, me telefonou e perguntou: "você está vendo isso?" - exatamente assim, sem se referir ao jogo ou ao canal em que ele passava, subentendido que eu sabia do que ela falava - e eu disse que sim, e ela disse que iria desligar e me ligar depois que a partida terminasse, quando quer que isso fosse.
Foi um espetáculo, a Batalha dos Aflitos. Uma dose forte daquilo que chamamos, meio de brincadeira, de "magia do futebol" - o imponderável, o acaso, a aleatoriedade que quase inutiliza o conjunto de regras do futebol e o transforma em outra coisa.
Em muitas ocasiões, os árbitros influem de maneira decisiva e sumária, com a eficiência de uma guilhotina em um lance rápido que decide a partida implacavelmente, como o juiz que não viu Maradona fazer o gol com a mão, ou o desgraçado que apitou o fim enquanto a bola cabeceada (ou chutada?) por Zico viajava para o fundo do gol.
Mas, na Batalha dos Aflitos, a agonia durou horas. Não foi um corte rápido e limpo. Torcedores do Grêmio e do Náutico ficaram pendurados no pincel enquando o jogo se degenerou em uma rixa, paralisado por horas.
Tudo poderia ter sido mais simples e menos épico, não fosse pela atuação ridícula do árbitro Djalma Beltrami. De certa forma e ironicamente, se ele fosse um bom árbitro - aliás, se ele fosse um bom homem - talvez a história de heroísmo daquele jogo jamais tivesse acontecido.
Aquele jogo renhido só virou uma "batalha" porque o árbitro permitiu. Eu não gosto de vaticinar e cagar regra, mas lembro de ter pensado, quando vi ele dar o primeiro passo para trás, acuado por um jogador, que aquilo não ia dar certo. E não deu - Djalma Beltrami expulsou todos os jogadores possíveis antes de ser obrigado a encerrar a partida por WO. Correu pelo gramado acuado por jogadores das duas equipes, como uma galinha cercada para ser abatida. Foi chutado, levou socos - e continuou sendo humilhado pelos jogadores por longo tempo, até que as coisas foram se acalmando.
Foi o próprio Djalma Beltrami que criou essa situação - para ele, para as torcidas do Náutico e Grêmio e para quem assistiu aquele jogo entre a agonia e a euforia. E isso tudo aconteceu apenas porque Beltrami é um frouxo, um homem sem caráter; leniente quando deveria, por seu ofício, ser rigoroso.
É evidente que o árbitro, sozinho ou com a ajuda de seus auxiliares, não pode fazer frente a 11 ou a 22 homens dispostos a lhe surrar - por isso mesmo é que ele exerce sua autoridade antes que isso aconteça. Além de organizar o jogo, aplicar as penalidades e disciplinar os jogadores, cabe ao árbitro impedir uma escalada que culmine, justamente, com a deterioração da sua autoridade dentro do campo. De certa forma, é muito parecido com o tipo de liderança militar que sargentos e oficiais devem exercer: por meio da disciplina e da imposição de respeito.
Mas o ábritro de futebol também é um pouco como um carcereiro: desarmado, cuida de um contingente de pessoas muito superior, está sempre em desvantagem numérica e apenas por meio de uma relação muito complexa com seus vigiados é que ele sobrevive e consegue, em última análise, levar a cabo o seu ofício.
Beltrami não soube fazer uma coisa nem outra: nem liderar, nem impor respeito; não conseguiu impedir que sua autoridade fosse questionada e, depois, desaparecesse.
Não é, portanto, grande surpresa que seja corrupto na sua profissão "verdadeira", a de Policial Militar. Tenete-coronel da PM do Rio, Beltrami comandava um Batalhão e, ao invés de coibir o crime, havia se imiscuído a ele, cobrando propinas para deixar de fazer o que deveria - de forma parecida com a qual não fez o que deveria ter feito na partida que se tornou uma "batalha".
Quando vi na televisão que ele foi preso porque é corrupto, não me surpreendi: é o que se pode esperar, afinal, do homem frouxo, sem caráter, descrente da própria autoridade, da finalidade e importância da sua ocupação.
Amigo da bandidagem que é, Djalma Beltrami vai apitar peladas no pátio da penita - mas certamente não vai errar como errou nos Aflitos, sendo o buraco, na cadeia, muito mais embaixo.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Vendilhões do templo
Lobão sempre foi mais conhecido pelas opiniões "polêmicas", passagens pela polícia e estripulias midiáticas que propriamente pelos discos que gravou. Seu maior sucesso foi "Vida Bandida", de 1987, que vendeu cerca de 350.000 cópias, segundo a Wikipedia (em português). Os demais discos tiveram vendagem muito mais modesta - um deles foi um "experimento" feito por Lobão contra as gravadoras, distribuído de forma independente em bancas de jornal pouco antes que o download de músicas se popularizasse. Vendeu, ainda de acordo com a Wikipedia, 97 mil cópias.
Vendagem de discos já foi um assunto muito mais importante do que é hoje - o próprio Lobão que o diga. Quando não é assunto de que se ocupam burocratas e contadores de gravadoras, a vendagem tem um significado muito simples e intuitivo: é diretamente proporcional à popularidade do artista. As listas da Billboard, quando o disco ainda era o único meio de distribuição, retratavam com fidelidade a popularidade de músicos de diversos gêneros - indicando, em suma, quantas pessoas se dispunham a gastar dinheiro e adquirir um determinado álbum.
Para norte-americanos e outros capitalistas convictos e desembaraçados, era uma solução e tanto - aliás, a Billboard era vendida em bancas de jornal, não se tratava de informação sigilosa ou reservada. Como qualquer negócio, o da música e dos discos também precisava ser rentável. E a rentabilidade do negócio dependia da popularidade do artista, ou seja, das pessoas gostarem das músicas e se disporem a pagar por elas.
Nesse ambiente de liberdade e transparência foi que o o Rock'n Roll floresceu, se tornando uma das influências principais do próprio Lobão (dificilmente alguém vai dizer que as pessoas gostavam de Little Richard ou Buddy Holly porque era "imposição da mídia"). O sistema pelo qual a popularidade do artista era o que garantiria sua autonomia é o mais próximo que se pode chegar de uma "meritocracia" em uma época na qual os serviços de atravessadores profissionais - rádios e gravadoras, basicamente - eram essenciais para divulgação. Era um sistema cíclico: o artista produzia canções populares, mas que para serem conhecidas pelo maior número possível de pessoas, precisavam ser tocadas no rádio e encontradas na forma de EPs e LPs nas lojas. Com a divulgação, a popularidade do artista aumentava, seu público se tornava mais fiel, passava a aguardar o próximo lançamento e assim sucessivamente.
A beleza desse sistema é que o público era o fator determinante: as rádios e gravadoras viviam de dar ao público o que ele queria. Ninguém diz que o Milton Nascimento é um idiota quando canta que o "o artista deve ir onde o povo está", ou que "a voz do povo é a voz de deus", o próprio fundamento democrático saudado em todas as eleições pelo vencedor e pelo derrotado, é um axioma falso.
Perry Farell, o organizador do Lollapalooza, também é um sujeito metido a polêmico - e um pouco chato, insistente em sexualizar quase todas as suas declarações. Por mais que tenha falado algumas bobagens na entrevista que deu à Folha de S. Paulo, acertou quando disse que o Lobão deve parar de reclamar e gravar bons discos e ganhar mais fãs. Essa é a cultura da qual ele é oriundo: uma espécie de meritocracia na qual o atravessador não é o satã apregoado por Lobão e outros malas do ROQUE NACIONAL. Se não fossem as rádios e gravadoras, afinal, quem conheceria o Lobão? Quando o artista tem a noção utilitarista que a gravadora tem dele, percebe que ela é (ou era) apenas um meio. Companhias são apenas isso: para o proprietário e acionistas, um meio de lucrar; para o consumidor, um meio de adquirir sabão em pó, lâmpadas, pneus, discos ou livros.
A cultura de uma espécie de meritocracia e das bandas assumirem que seu sucesso ou fracasso é muito mais dependente da qualidade do material que produzem do que de alguma conspiração voltada contra elas para privar o mundo de genialidade não é a nossa. Lobão disse cretinices que reverberam uma mentalidade antiquada muito parecida com a de capitanias hereditárias e privilégios injustificáveis. O nacionalismo chinfrim é, na verdade, uma carapuça: Lobão pretende mesmo é se encostar, como um burocrata sem talento que obtém um cargo porque é filiado ao partido que está no poder. Ele pretende ser a atração principal quando não é mais - e talvez nunca tenha sido - porque, para ele, nacionalidade e antiguidade devem bastar numa atividade em que isso jamais poderia importar. E mesmo sobrepujar o gosto do público pelo que será tocado em um festival, rádio ou disco. Só porque uma banda é velha ou porque é brasileira não significa que seja boa, da mesma forma que uma banda americana não é boa apenas porque é americana ou porque é antiga. A lógica de mercado que os Lobões do mundo gostam de criticar é a mesma que os serviu durante muito tempo. O problema é que ele e tantos outros deixaram de fazer música para se dedicar à polêmica e à xaropeação, esperando que as pessoas lembrem deles porque eles são "muito loucos", "falam mesmo na cara da sociedade", se drogam, vão presos - coisa que o Little Richard, embora tivesse uma vida complicada, nunca precisou fazer: ele e tantos outros que serviram de inspiração ao Lobão só trabalhavam duro e faziam as melhores músicas que conseguiam. O resto se resolvia sozinho: sem necessidade de manifestos ou reclamações que, no fundo, dizem respeito apenas à falta de popularidade e repercussão da música dos Lobões da vida.
Se até o Figueiredo conseguiu dizer uma coisa legal sobre a anistia ("lugar de brasileiro é no Brasil"), Lobão deveria ser capaz se dizer que músico tem é que fazer música, e não encher o saco e dizer até que LEIS devem ser criadas para privilegiá-los. Chega a inspirar pena que ele, tão "transgressor", "polêmico", que já até gravou um disco da cadeia, proponha leis para garantir uma boquinha que os seus discos e seu talento não conseguem criar por si só.
Música não tem e não deve ter nada a ver com Lei, reserva de mercado e nenhum tipo de garantismo. Defendendo o contrário, Lobão se aproxima perigosamente de um totalitarismo contra o qual sempre disse se posicionar. Em suma, ninguém deveria gostar de Lobão ou exigir que ele seja atração principal em um festival só porque ele é brasileiro,mas sim porque gostam do que ele faz. Ele já se deu mal em um festival, não soube sequer reconhecer que teve outra chance e aproveitá-la - e que poderia até fazer um bom show justamente por uma espécie de clemência da platéia, irônica e exatamente pelos mesmos motivos errados: porque é uma figura "histórica" e nacional.
Portanto, se o Lobão fosse tudo que acha que é, estaria tocando com freqüência por todo o Brasil. No fundo, ele sabe que só por decreto ele é a atração principal.
Vendagem de discos já foi um assunto muito mais importante do que é hoje - o próprio Lobão que o diga. Quando não é assunto de que se ocupam burocratas e contadores de gravadoras, a vendagem tem um significado muito simples e intuitivo: é diretamente proporcional à popularidade do artista. As listas da Billboard, quando o disco ainda era o único meio de distribuição, retratavam com fidelidade a popularidade de músicos de diversos gêneros - indicando, em suma, quantas pessoas se dispunham a gastar dinheiro e adquirir um determinado álbum.
Para norte-americanos e outros capitalistas convictos e desembaraçados, era uma solução e tanto - aliás, a Billboard era vendida em bancas de jornal, não se tratava de informação sigilosa ou reservada. Como qualquer negócio, o da música e dos discos também precisava ser rentável. E a rentabilidade do negócio dependia da popularidade do artista, ou seja, das pessoas gostarem das músicas e se disporem a pagar por elas.
Nesse ambiente de liberdade e transparência foi que o o Rock'n Roll floresceu, se tornando uma das influências principais do próprio Lobão (dificilmente alguém vai dizer que as pessoas gostavam de Little Richard ou Buddy Holly porque era "imposição da mídia"). O sistema pelo qual a popularidade do artista era o que garantiria sua autonomia é o mais próximo que se pode chegar de uma "meritocracia" em uma época na qual os serviços de atravessadores profissionais - rádios e gravadoras, basicamente - eram essenciais para divulgação. Era um sistema cíclico: o artista produzia canções populares, mas que para serem conhecidas pelo maior número possível de pessoas, precisavam ser tocadas no rádio e encontradas na forma de EPs e LPs nas lojas. Com a divulgação, a popularidade do artista aumentava, seu público se tornava mais fiel, passava a aguardar o próximo lançamento e assim sucessivamente.
A beleza desse sistema é que o público era o fator determinante: as rádios e gravadoras viviam de dar ao público o que ele queria. Ninguém diz que o Milton Nascimento é um idiota quando canta que o "o artista deve ir onde o povo está", ou que "a voz do povo é a voz de deus", o próprio fundamento democrático saudado em todas as eleições pelo vencedor e pelo derrotado, é um axioma falso.
Perry Farell, o organizador do Lollapalooza, também é um sujeito metido a polêmico - e um pouco chato, insistente em sexualizar quase todas as suas declarações. Por mais que tenha falado algumas bobagens na entrevista que deu à Folha de S. Paulo, acertou quando disse que o Lobão deve parar de reclamar e gravar bons discos e ganhar mais fãs. Essa é a cultura da qual ele é oriundo: uma espécie de meritocracia na qual o atravessador não é o satã apregoado por Lobão e outros malas do ROQUE NACIONAL. Se não fossem as rádios e gravadoras, afinal, quem conheceria o Lobão? Quando o artista tem a noção utilitarista que a gravadora tem dele, percebe que ela é (ou era) apenas um meio. Companhias são apenas isso: para o proprietário e acionistas, um meio de lucrar; para o consumidor, um meio de adquirir sabão em pó, lâmpadas, pneus, discos ou livros.
A cultura de uma espécie de meritocracia e das bandas assumirem que seu sucesso ou fracasso é muito mais dependente da qualidade do material que produzem do que de alguma conspiração voltada contra elas para privar o mundo de genialidade não é a nossa. Lobão disse cretinices que reverberam uma mentalidade antiquada muito parecida com a de capitanias hereditárias e privilégios injustificáveis. O nacionalismo chinfrim é, na verdade, uma carapuça: Lobão pretende mesmo é se encostar, como um burocrata sem talento que obtém um cargo porque é filiado ao partido que está no poder. Ele pretende ser a atração principal quando não é mais - e talvez nunca tenha sido - porque, para ele, nacionalidade e antiguidade devem bastar numa atividade em que isso jamais poderia importar. E mesmo sobrepujar o gosto do público pelo que será tocado em um festival, rádio ou disco. Só porque uma banda é velha ou porque é brasileira não significa que seja boa, da mesma forma que uma banda americana não é boa apenas porque é americana ou porque é antiga. A lógica de mercado que os Lobões do mundo gostam de criticar é a mesma que os serviu durante muito tempo. O problema é que ele e tantos outros deixaram de fazer música para se dedicar à polêmica e à xaropeação, esperando que as pessoas lembrem deles porque eles são "muito loucos", "falam mesmo na cara da sociedade", se drogam, vão presos - coisa que o Little Richard, embora tivesse uma vida complicada, nunca precisou fazer: ele e tantos outros que serviram de inspiração ao Lobão só trabalhavam duro e faziam as melhores músicas que conseguiam. O resto se resolvia sozinho: sem necessidade de manifestos ou reclamações que, no fundo, dizem respeito apenas à falta de popularidade e repercussão da música dos Lobões da vida.
Se até o Figueiredo conseguiu dizer uma coisa legal sobre a anistia ("lugar de brasileiro é no Brasil"), Lobão deveria ser capaz se dizer que músico tem é que fazer música, e não encher o saco e dizer até que LEIS devem ser criadas para privilegiá-los. Chega a inspirar pena que ele, tão "transgressor", "polêmico", que já até gravou um disco da cadeia, proponha leis para garantir uma boquinha que os seus discos e seu talento não conseguem criar por si só.
Música não tem e não deve ter nada a ver com Lei, reserva de mercado e nenhum tipo de garantismo. Defendendo o contrário, Lobão se aproxima perigosamente de um totalitarismo contra o qual sempre disse se posicionar. Em suma, ninguém deveria gostar de Lobão ou exigir que ele seja atração principal em um festival só porque ele é brasileiro,mas sim porque gostam do que ele faz. Ele já se deu mal em um festival, não soube sequer reconhecer que teve outra chance e aproveitá-la - e que poderia até fazer um bom show justamente por uma espécie de clemência da platéia, irônica e exatamente pelos mesmos motivos errados: porque é uma figura "histórica" e nacional.
Portanto, se o Lobão fosse tudo que acha que é, estaria tocando com freqüência por todo o Brasil. No fundo, ele sabe que só por decreto ele é a atração principal.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Compass Point
A internet talvez não mate o livro, como ainda não matou o disco; a fotografia digital ainda não matou o filme, e os jornais, emissoras de TV e rádio rapidamente se adaptaram. Embora o disco ainda não tenha morrido, está melhor do que a fotografia, mas pior do que o livro.
Qualquer pessoa na faixa dos 30 anos se lembra de uma época anterior à internet, e bem anterior ao aperfeiçoamento que permitiu divulgar música com tanta facilidade. O tempo das gravadoras e rádios como intermediários implacáveis, e antes da popularização do equipamento necessário para uma gravação minimamente audível - a grande maioria das "fitas demo" era de péssimas gravações caseiras. Aliás, a tal da "fita demo", essa sim, está morta há muito tempo. Hoje qualquer estúdio de ensaio é capaz de uma gravação minimanente decente por 30, 40 reais a hora, e em formato digital - nada de fitas DAT ou outros formatos caros encontrados apenas em estúdios profissionais, do tipo que grava discos, jingles, horário eleitoral, propaganda. A gravação é feita e transferida para um pen drive, o sujeito chega em casa e bota aquilo no myspace ou no youtube, avisa as pessoas e assim já surgiram dúzias de "fenômenos". Uma gravadora para pagar pelo gravação e pela divulgação, hoje, é supérflua. Ela até pode encampar o material depois, mas não é mais um requisito.
Qualquer banda que quiser, hoje, pode, sozinha, gravar e divulgar seu material - com grande facilidade, praticamente em tempo real. Mas já foi bem mais complicado do que isso.
Back in Black, do Ac/Dc, fez 30 anos no dia 25 de julho do ano passado. É um dos discos mais vendidos do mundo, quase 50 milhões de cópias. Uma versão remasterizada foi lançada em comemoração. É o principal disco da banda e um disco de rock muito relevante. E foi gravado em um estúdio chamado Compass Point, nas Bahamas.
A realidade sempre supera a ficção, como bem prova a existência do Compass Point. Fundado em 1977 pelo dono da Island Records, o estúdio tem o mesmo nome de um exclusivo resort do qual é vizinho. Rolling Stones, Bob Marley, Iron Maiden e Grace Jones - além do AC/DC - gravaram lá. "Back in Black" é, aliás, o disco mais vendido da história do disco. Invariavelmente, essas bandas e artistas voltavam ao Compass Point, tendo gravado mais de um disco lá - o Iron Maiden gravou três: Piece of Mind (83), Powerslave (84) e Somewhere in Time (86) antes que o estúdio fechasse, no começo da década de 90, para reforma e troca de equipamentos. Reabriu em 1992.
As sessões de gravação duravam meses - havia, é evidente, o custo de aluguel do estúdio, transporte e hospedagem da banda e do produtor, equipamentos, alimentação etc. Raramente artistas desse calibre chegavam ao estúduo com as músicas totalmente prontas. Os instrumentos eram gravados individualmente, as músicas eram buriladas, trechos eram acrescentados e outros extirpados, em uma época em que não existia gravação digital e edição praticamente em tempo real. Se alguém errasse, gravava de novo.
Back in Black vendeu mais de 50 milhões de cópias; Powerslave cerca de 3 milhões - o investimento das gravadoras acabava sempre se pagando. A lista de clintes do Compass Point é longa e variada. Valia a pena gastar centenas de milhares de dólares ou libras para que grandes discos fossem gravados em um ambiente paradisíaco - certamente havia menos pressão gravando em Nassau que em qualquer cidade grande - e depois vendessem milhões de cópias, banda e gravadora lucrando largas margens.
O Compass Point encerrou suas atividades em setembro do ano passado, logo após a gravação de "The Final Frontier", o mais recente (e possivelmente último) disco do Iron Maiden, um dos clientes mais fiéis do estúdio. Na página oficial, "uma série de incidentes e acontecimentos sócio-políticos" são apontados como o motivo.
Manter um estúdio de gravação nas Bahamas já é caro - manter bandas gravando lá por 6 meses deve ser mais caro ainda: mais ou menos como os gastos da fundação Ruben Berta - milhões de dólares por mês em caviar e vinhos finos para abastecer a primeira classe da extinta Varig. Gravadoras são companhias como qualquer outra: precisam que seu investimento seja multiplicado muitas vezes em forma de lucro. No negócio de atravassedor que uma gravadora opera, a equação é simples: X gastos em gravação e divulgação devem se tornar 10X em vendas de disco.
A venda eletrônica de músicas a 0,99 centavos de dólar há de ter reduzido drasticamente a margem de lucro de todos os envolvidos. Há alguns anos, era inimaginável uma banda vociferar contra downloads de música, movimento inaugurado por Lars Ulrich, baterista do Metallica, com poucos resultados. É comum que bandas e seus integrantes reclamem, no twitter e em outros lugares, de quem baixa suas músicas de graça. No dia do lançamento do último disco do Anthrax, o baixei de graça - e reconheço que vale mais do que 10 dólares. Custaria pouco mais nas lojas (aliás, livrarias como FNAC e Siciliano, já que as lojas de disco estão rapidamente desaparecendo), mas passados mais de dois meses, não encontrei o excelente "Worship Music" para vender em lugar nenhum.
Aliás, o Anthrax, em sua melhor fase, era uma banda da Island Records - cujo fundador era dono do Compass Point.
As bandas, felizmente, continuam.
Qualquer pessoa na faixa dos 30 anos se lembra de uma época anterior à internet, e bem anterior ao aperfeiçoamento que permitiu divulgar música com tanta facilidade. O tempo das gravadoras e rádios como intermediários implacáveis, e antes da popularização do equipamento necessário para uma gravação minimamente audível - a grande maioria das "fitas demo" era de péssimas gravações caseiras. Aliás, a tal da "fita demo", essa sim, está morta há muito tempo. Hoje qualquer estúdio de ensaio é capaz de uma gravação minimanente decente por 30, 40 reais a hora, e em formato digital - nada de fitas DAT ou outros formatos caros encontrados apenas em estúdios profissionais, do tipo que grava discos, jingles, horário eleitoral, propaganda. A gravação é feita e transferida para um pen drive, o sujeito chega em casa e bota aquilo no myspace ou no youtube, avisa as pessoas e assim já surgiram dúzias de "fenômenos". Uma gravadora para pagar pelo gravação e pela divulgação, hoje, é supérflua. Ela até pode encampar o material depois, mas não é mais um requisito.
Qualquer banda que quiser, hoje, pode, sozinha, gravar e divulgar seu material - com grande facilidade, praticamente em tempo real. Mas já foi bem mais complicado do que isso.
Back in Black, do Ac/Dc, fez 30 anos no dia 25 de julho do ano passado. É um dos discos mais vendidos do mundo, quase 50 milhões de cópias. Uma versão remasterizada foi lançada em comemoração. É o principal disco da banda e um disco de rock muito relevante. E foi gravado em um estúdio chamado Compass Point, nas Bahamas.
A realidade sempre supera a ficção, como bem prova a existência do Compass Point. Fundado em 1977 pelo dono da Island Records, o estúdio tem o mesmo nome de um exclusivo resort do qual é vizinho. Rolling Stones, Bob Marley, Iron Maiden e Grace Jones - além do AC/DC - gravaram lá. "Back in Black" é, aliás, o disco mais vendido da história do disco. Invariavelmente, essas bandas e artistas voltavam ao Compass Point, tendo gravado mais de um disco lá - o Iron Maiden gravou três: Piece of Mind (83), Powerslave (84) e Somewhere in Time (86) antes que o estúdio fechasse, no começo da década de 90, para reforma e troca de equipamentos. Reabriu em 1992.
As sessões de gravação duravam meses - havia, é evidente, o custo de aluguel do estúdio, transporte e hospedagem da banda e do produtor, equipamentos, alimentação etc. Raramente artistas desse calibre chegavam ao estúduo com as músicas totalmente prontas. Os instrumentos eram gravados individualmente, as músicas eram buriladas, trechos eram acrescentados e outros extirpados, em uma época em que não existia gravação digital e edição praticamente em tempo real. Se alguém errasse, gravava de novo.
Back in Black vendeu mais de 50 milhões de cópias; Powerslave cerca de 3 milhões - o investimento das gravadoras acabava sempre se pagando. A lista de clintes do Compass Point é longa e variada. Valia a pena gastar centenas de milhares de dólares ou libras para que grandes discos fossem gravados em um ambiente paradisíaco - certamente havia menos pressão gravando em Nassau que em qualquer cidade grande - e depois vendessem milhões de cópias, banda e gravadora lucrando largas margens.
O Compass Point encerrou suas atividades em setembro do ano passado, logo após a gravação de "The Final Frontier", o mais recente (e possivelmente último) disco do Iron Maiden, um dos clientes mais fiéis do estúdio. Na página oficial, "uma série de incidentes e acontecimentos sócio-políticos" são apontados como o motivo.
Manter um estúdio de gravação nas Bahamas já é caro - manter bandas gravando lá por 6 meses deve ser mais caro ainda: mais ou menos como os gastos da fundação Ruben Berta - milhões de dólares por mês em caviar e vinhos finos para abastecer a primeira classe da extinta Varig. Gravadoras são companhias como qualquer outra: precisam que seu investimento seja multiplicado muitas vezes em forma de lucro. No negócio de atravassedor que uma gravadora opera, a equação é simples: X gastos em gravação e divulgação devem se tornar 10X em vendas de disco.
A venda eletrônica de músicas a 0,99 centavos de dólar há de ter reduzido drasticamente a margem de lucro de todos os envolvidos. Há alguns anos, era inimaginável uma banda vociferar contra downloads de música, movimento inaugurado por Lars Ulrich, baterista do Metallica, com poucos resultados. É comum que bandas e seus integrantes reclamem, no twitter e em outros lugares, de quem baixa suas músicas de graça. No dia do lançamento do último disco do Anthrax, o baixei de graça - e reconheço que vale mais do que 10 dólares. Custaria pouco mais nas lojas (aliás, livrarias como FNAC e Siciliano, já que as lojas de disco estão rapidamente desaparecendo), mas passados mais de dois meses, não encontrei o excelente "Worship Music" para vender em lugar nenhum.
Aliás, o Anthrax, em sua melhor fase, era uma banda da Island Records - cujo fundador era dono do Compass Point.
As bandas, felizmente, continuam.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Lei da Palmada?
Essa história do governo mandar para o congresso um projeto de lei proibindo castigos corporais em crianças poderia ser apenas ridícula, se não fosse o componente de interferência na vida privada das pessoas - não basta tomar o dinheiro dos impostos e mandar quase tudo pra Suíça, violar o sigilo de informações bancárias e fiscais, tentar controlar oficialmente (porque extra-oficialmente já é controlado) o conteúdo de jornais etc. Agora, o governo quer também fixar os parâmetros pelos quais as crianças serão educadas por seus pais.
Textos sobre isso inevitavelmente contém reflexões do tipo "apanhei e fez bem" ou "nunca apanhei e não fez falta" - é claro que dificilmente alguém dirá "não apanhei e virei um cretino" ou "apanhei e esperei 20 anos para me vingar e matei meus pais", porque o "apanhar" a que se quer referir aqui não é acorrentar na mesa, surrar com chave de roda ou dar choques elétricos embaixo das unhas: é a "palmada" mesmo, o tapa dado na hora exata do flagrante ou logo após a criança cometer a infração.
Não tenho filhos, mas vou recorrer ao clichê: funcionou comigo. Sempre que levei tapas quando era pequeno foi depois de ter feito grandes cagadas. Em algum lugar da minha psique infantil eu sabia que não era injusto - e se tivesse sido, acho que eu carregaria algum tipo de trauma, e não é o caso. Antes, o contrário: considero meus pais duas das pessoas que melhor se desincumbiram da tarefa de criar filhos entre todas que conheço, e sou extremamente grato a tudo que aprendi.
Aí tem quem apanhou demais, por crueldade, e vira algum tipo de psicopata, que vai bater nos filhos, se os tiver, ou vai passar a vida como aqueles cachorros assustados; e tem que nunca apanhou e vai passar a vida se comportando como se o resto do mundo estivesse a seu serviço, tocando fogo em mendigo, dirigindo como se as ruas fossem a sua própria pista de autorama: enfim, alheios às conseqüências dos seus próprios atos.
E é esse o BUSÍLIS: como lidamos com as conseqüências do que fazemos. Essa é uma das mais relevantes questões, ao mesmo tempo, existencial e civilizatória.
Existencial para o indivíduo e aqueles que o cercam mais proximamente; civilizatória para todos os demais (a tal da "sociedade"). Civilizatoriamente, no eterno pacto com o fracasso assumido por nós, o tal do projeto de lei é mais uma maneira de tentar fazer desaparecer as conseqüências, e, o que é pior, no âmbito que seja talvez o mais privado de todos. O governo quer decidir como os filhos das pessoas serão criados - e quer criar, ao que parece, uma super-raça de corruptos e insensíveis ao próximo, para que compactuem mais facilmente com a esculhambação, e tenham cada vez menos noção de limites. Afinal, só com muito cinismo ou ingenuidade é que se pode acreditar que uma criança de três anos pode ser racionalmente persuadida a não fazer guerra de comida ou pintar a tela da televisão com tinta gouache.
Existem, certamente, diversas correntes pedagógicas que defendem os dois pontos de vista (não me informei), mas, ao mesmo tempo, não é "rocket surgery" , é algo que depende apenas de bom senso - dos pais, e não do governo. Já existem crimes de tortura, lesões corporais e previsões do ECA para casos de verdadeira "agressão", a qual é muito diferente dos tabefes merecidos que eu e tantos outros adultos de hoje tomamos quando éramos pequenos. Tentar transformar isso em algo que deve ser tutelado pelo Estado é, além de ridículo, perigoso.
"Quando levaram os judeus, calei-me...quando levaram os vizinhos que deram umas palmadas nos filhos, já não havia mais quem protestasse".
Mais ainda do que isso, é de uma imoralidade atroz que um governo de vagabundos da pior espécie, sindicalistas vira-casaca, crias de comissários da KGB, ladrões de língua bifurcada e burgueses do capital alheio queira determinar como os filhos dos outros serão criados. Já disse, não tenho filhos, mas meus amigos mais próximos estão tendo filhos, alguns tem já a algum tempo, e o problema é deles, não do maldito governo.
Claro que, à primeira vista, a "iniciativa" é sempre simpática: "oh, um projeto de lei para que crianças não apanhem dos pais", quem poderá reclamar em sã consciência? Pega mal.
Mas eles sempre escolhem esse tipo de abordagem. E estão bastante adiantados no processo. Para eles, não basta transformar o criminoso comum em guardião do "sistema", é preciso ir mais longe, e criar condições para o surgimento de mais criminosos - no sentido amplo, claro. É uma estratégia revolucionária, fundada no fomento do caos e da desordem, está funcionando e se fortalecendo cada vez mais.
Textos sobre isso inevitavelmente contém reflexões do tipo "apanhei e fez bem" ou "nunca apanhei e não fez falta" - é claro que dificilmente alguém dirá "não apanhei e virei um cretino" ou "apanhei e esperei 20 anos para me vingar e matei meus pais", porque o "apanhar" a que se quer referir aqui não é acorrentar na mesa, surrar com chave de roda ou dar choques elétricos embaixo das unhas: é a "palmada" mesmo, o tapa dado na hora exata do flagrante ou logo após a criança cometer a infração.
Não tenho filhos, mas vou recorrer ao clichê: funcionou comigo. Sempre que levei tapas quando era pequeno foi depois de ter feito grandes cagadas. Em algum lugar da minha psique infantil eu sabia que não era injusto - e se tivesse sido, acho que eu carregaria algum tipo de trauma, e não é o caso. Antes, o contrário: considero meus pais duas das pessoas que melhor se desincumbiram da tarefa de criar filhos entre todas que conheço, e sou extremamente grato a tudo que aprendi.
Aí tem quem apanhou demais, por crueldade, e vira algum tipo de psicopata, que vai bater nos filhos, se os tiver, ou vai passar a vida como aqueles cachorros assustados; e tem que nunca apanhou e vai passar a vida se comportando como se o resto do mundo estivesse a seu serviço, tocando fogo em mendigo, dirigindo como se as ruas fossem a sua própria pista de autorama: enfim, alheios às conseqüências dos seus próprios atos.
E é esse o BUSÍLIS: como lidamos com as conseqüências do que fazemos. Essa é uma das mais relevantes questões, ao mesmo tempo, existencial e civilizatória.
Existencial para o indivíduo e aqueles que o cercam mais proximamente; civilizatória para todos os demais (a tal da "sociedade"). Civilizatoriamente, no eterno pacto com o fracasso assumido por nós, o tal do projeto de lei é mais uma maneira de tentar fazer desaparecer as conseqüências, e, o que é pior, no âmbito que seja talvez o mais privado de todos. O governo quer decidir como os filhos das pessoas serão criados - e quer criar, ao que parece, uma super-raça de corruptos e insensíveis ao próximo, para que compactuem mais facilmente com a esculhambação, e tenham cada vez menos noção de limites. Afinal, só com muito cinismo ou ingenuidade é que se pode acreditar que uma criança de três anos pode ser racionalmente persuadida a não fazer guerra de comida ou pintar a tela da televisão com tinta gouache.
Existem, certamente, diversas correntes pedagógicas que defendem os dois pontos de vista (não me informei), mas, ao mesmo tempo, não é "rocket surgery" , é algo que depende apenas de bom senso - dos pais, e não do governo. Já existem crimes de tortura, lesões corporais e previsões do ECA para casos de verdadeira "agressão", a qual é muito diferente dos tabefes merecidos que eu e tantos outros adultos de hoje tomamos quando éramos pequenos. Tentar transformar isso em algo que deve ser tutelado pelo Estado é, além de ridículo, perigoso.
"Quando levaram os judeus, calei-me...quando levaram os vizinhos que deram umas palmadas nos filhos, já não havia mais quem protestasse".
Mais ainda do que isso, é de uma imoralidade atroz que um governo de vagabundos da pior espécie, sindicalistas vira-casaca, crias de comissários da KGB, ladrões de língua bifurcada e burgueses do capital alheio queira determinar como os filhos dos outros serão criados. Já disse, não tenho filhos, mas meus amigos mais próximos estão tendo filhos, alguns tem já a algum tempo, e o problema é deles, não do maldito governo.
Claro que, à primeira vista, a "iniciativa" é sempre simpática: "oh, um projeto de lei para que crianças não apanhem dos pais", quem poderá reclamar em sã consciência? Pega mal.
Mas eles sempre escolhem esse tipo de abordagem. E estão bastante adiantados no processo. Para eles, não basta transformar o criminoso comum em guardião do "sistema", é preciso ir mais longe, e criar condições para o surgimento de mais criminosos - no sentido amplo, claro. É uma estratégia revolucionária, fundada no fomento do caos e da desordem, está funcionando e se fortalecendo cada vez mais.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
The Hurt Locker
Finalmente assisti "The Hurt Locker" - os tradutores de títulos (lembro de ter lido uma vez que existe uma espécie de comitê para-estatal que faz isso) não conseguiram se sair com nada melhor do que "Guerra ao Terror" - e é um grande filme.
A repercussão que causou só prova que a internet, apesar de tão útil e divertida, também pode ser tão aborrecida quanto uma reunião de condomínio. Acompanho alguns blogs de veteranos do Iraque e do Afeganistão, e todos eles têm uma opinião forte a respeito do filme - normalmente, ruim, porque, afinal, o filme não é igual a experiência deles; algumas coisas estão "erradas" (desde bobagens como detalhes do uniforme); em geral, porque os exageros dramáticos ofendem a perspectiva naturalmente dogmática e meio robótica dos militares.
De um lado, consigo entender de onde eles tiram tanta força para falar mal do filme, já que estiveram lá, correram riscos, passaram não só pelo processo de virar um soldado, que já deve ser dose, mas foram colocar todo o treinamento na prática, em situações de risco extremo etc. De certa forma, devem considerar que, depois disso tudo, o mínimo que merecem é um filme "preciso" sobre o que se passou com eles.
De outro lado, é meio ridículo sustentar isso, justamente porque nem mesmo um documentário poderia ser tão "preciso" (aliás, até poderia, mas só interessaria a uma parcela muito pequena de gente, e não teria a mesma graça),quanto mais um filme de ação. Um desses blogs tem a melhor resenha escrita por um veterano entre as que eu li. O cara sabe separar as coisas e entende que o fato de haver algumas incorreções não torna o filme necessariamente ruim. O resto do blog também vale a leitura, o cara escreve muito bem (vide http://armyofdude.blogspot.com/2009/11/thing-i-carried-special-edition.html e http://armyofdude.blogspot.com/2009/01/sensing-combat-hearing.html e os quatro textos subseqüentes).
O artigo da wikipedia sobre o filme tem vários exemplos dessas críticas, o que imediatamente me fez pensar em como nunca se cogitou qual teria sido a repercussão de filmes de todas as outras guerras entre os veteranos delas, e, quando muito, no máximo eles falaram sobre a experiência que viveram e nem se deram ao trabalho de comprará-la com o filme (ex: Band of Brothers; Black Hawk Down com o documentário da PBS nos extras).
Claro, esse negócio todo de internet, blogs e, especificamente, "milblogs", é muito novo. Ia acontecer uma hora ou outra - mas é difícil imaginar veteranos do 8º Exército amargurados, reclamando que se sentem desrespeitados porque o Romell de "Cinco Covas no Egito" não é parecido com o original, ou qualquer coisa parecida.
Seja como for, "The Hurt Locker" é bem melhor que "Stop Loss", o qual retrata a sacanagem que fizeram com muitos soldados, aumentando arbitrariamente o tempo de serviço por causa de falta de pessoal. No fim, o cara entende que meio que a única coisa decente a fazer é ir para a guerra de novo com os camaradas.
Voltando a Hurt Locker (uma alusão ao engradado com peças de bombas que o protagonista guarda embaixo da cama), antes de assistir o filme eu li diversas resenhas e vi aquela cena do cara tentando escolher sucrilhos no mercado, e já sabia mais ou menos do que se tratava - o cara volta da guerra e sente falta da adrenalina dos combates, a vida fica uma coisa meio banal .(Isso me lembrou uma entrevista antiga do Herbert Vianna, numa Bizz, dizendo que entendia porque muitos 'artistas' cheiram: "o cara vive na adrenalina de tocar pra milhares de pessoas, aí volta pra casa, a mulher pede pra ele tirar o lixo, ele espera a adrenalina e ela não vem"). O maior mérito do filme certamente é não ter nada daquilo de "luta pela liberdade", ou "luta pelo meio americano de vida", mas quase não acreditei, quando outra pessoa que assistiu antes de mim perguntou se eu já havia visto o filme, e eu disse que não mas que tinha uma vaga idéia de que era sobre a "abstinência de guerra", e citei a cena do sucrilhos, e a pessoa me jurou que não era nada disso, que o filme era sobre a defesa do "american way of life" - e não é, mesmo, e é por isso que é tão bom. Como "Despachos do Front", trata da experiência dos soldados - a perspectiva, afinal, mais verdadeira que pode haver sobre o assunto.
Confesso que justamente por isso torci para que o filme ganhasse os Oscars - eu ainda não havia assistido, e também não vi "Avatar" e nenhum outro concorrente, e o Oscar é meio uma bobagem etc., mas há algo bom em um filme de guerra honesto ganhar prêmios importantes, como se fosse uma "Silver Star" por bravura.
A repercussão que causou só prova que a internet, apesar de tão útil e divertida, também pode ser tão aborrecida quanto uma reunião de condomínio. Acompanho alguns blogs de veteranos do Iraque e do Afeganistão, e todos eles têm uma opinião forte a respeito do filme - normalmente, ruim, porque, afinal, o filme não é igual a experiência deles; algumas coisas estão "erradas" (desde bobagens como detalhes do uniforme); em geral, porque os exageros dramáticos ofendem a perspectiva naturalmente dogmática e meio robótica dos militares.
De um lado, consigo entender de onde eles tiram tanta força para falar mal do filme, já que estiveram lá, correram riscos, passaram não só pelo processo de virar um soldado, que já deve ser dose, mas foram colocar todo o treinamento na prática, em situações de risco extremo etc. De certa forma, devem considerar que, depois disso tudo, o mínimo que merecem é um filme "preciso" sobre o que se passou com eles.
De outro lado, é meio ridículo sustentar isso, justamente porque nem mesmo um documentário poderia ser tão "preciso" (aliás, até poderia, mas só interessaria a uma parcela muito pequena de gente, e não teria a mesma graça),quanto mais um filme de ação. Um desses blogs tem a melhor resenha escrita por um veterano entre as que eu li. O cara sabe separar as coisas e entende que o fato de haver algumas incorreções não torna o filme necessariamente ruim. O resto do blog também vale a leitura, o cara escreve muito bem (vide http://armyofdude.blogspot.com/2009/11/thing-i-carried-special-edition.html e http://armyofdude.blogspot.com/2009/01/sensing-combat-hearing.html e os quatro textos subseqüentes).
O artigo da wikipedia sobre o filme tem vários exemplos dessas críticas, o que imediatamente me fez pensar em como nunca se cogitou qual teria sido a repercussão de filmes de todas as outras guerras entre os veteranos delas, e, quando muito, no máximo eles falaram sobre a experiência que viveram e nem se deram ao trabalho de comprará-la com o filme (ex: Band of Brothers; Black Hawk Down com o documentário da PBS nos extras).
Claro, esse negócio todo de internet, blogs e, especificamente, "milblogs", é muito novo. Ia acontecer uma hora ou outra - mas é difícil imaginar veteranos do 8º Exército amargurados, reclamando que se sentem desrespeitados porque o Romell de "Cinco Covas no Egito" não é parecido com o original, ou qualquer coisa parecida.
Seja como for, "The Hurt Locker" é bem melhor que "Stop Loss", o qual retrata a sacanagem que fizeram com muitos soldados, aumentando arbitrariamente o tempo de serviço por causa de falta de pessoal. No fim, o cara entende que meio que a única coisa decente a fazer é ir para a guerra de novo com os camaradas.
Voltando a Hurt Locker (uma alusão ao engradado com peças de bombas que o protagonista guarda embaixo da cama), antes de assistir o filme eu li diversas resenhas e vi aquela cena do cara tentando escolher sucrilhos no mercado, e já sabia mais ou menos do que se tratava - o cara volta da guerra e sente falta da adrenalina dos combates, a vida fica uma coisa meio banal .(Isso me lembrou uma entrevista antiga do Herbert Vianna, numa Bizz, dizendo que entendia porque muitos 'artistas' cheiram: "o cara vive na adrenalina de tocar pra milhares de pessoas, aí volta pra casa, a mulher pede pra ele tirar o lixo, ele espera a adrenalina e ela não vem"). O maior mérito do filme certamente é não ter nada daquilo de "luta pela liberdade", ou "luta pelo meio americano de vida", mas quase não acreditei, quando outra pessoa que assistiu antes de mim perguntou se eu já havia visto o filme, e eu disse que não mas que tinha uma vaga idéia de que era sobre a "abstinência de guerra", e citei a cena do sucrilhos, e a pessoa me jurou que não era nada disso, que o filme era sobre a defesa do "american way of life" - e não é, mesmo, e é por isso que é tão bom. Como "Despachos do Front", trata da experiência dos soldados - a perspectiva, afinal, mais verdadeira que pode haver sobre o assunto.
Confesso que justamente por isso torci para que o filme ganhasse os Oscars - eu ainda não havia assistido, e também não vi "Avatar" e nenhum outro concorrente, e o Oscar é meio uma bobagem etc., mas há algo bom em um filme de guerra honesto ganhar prêmios importantes, como se fosse uma "Silver Star" por bravura.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Lampião
Recomendo fortemente a quem quer que se interesse por história militar do Brasil o livro "Guerreiros do Sol: Violência e banditismo no Nordeste do Brasil", de Frederico Pernambucano de Mello. Não é propriamente um livro de história militar, e embora o autor seja sociólogo, o trabalho contém descrições e explicações muito bem feitas das ações de "guerra brasilica" dos grupos cangaceiros - e uma distinção interessante entre os diferentes tipos de cangaço. A tese do livro é a da existência de um "escudo ético" da atividade cangaceira - basicamente, guerrilha e rapinagem, mas não apenas isso.
O livro não poderia deixar de se concentrar na figura lendária de Lampião - embora seja bastante abrangente e forneça uma genealogia do cangaço desde a seca de 1559.
Gostei particularmente destes trechos, nos quais Lampião demonstra porque era o "Rei do Sertão".
Sobre armamento:
"E foi nesse momento que perguntei a Lampião porque ele não usava o rifle de doze tiros, do cano grosso e oitavado, como quase geral. E ele:
- Já teve até uma pessoa minha que fez um verso explicando isso. Eu gosto desse aqui, de dez tiros, do cano de mamão, que tem a argola de banda e a culatra reforçada, e que tem um ponto de solda branca na mira, com os dois canos arrochados na ponta por uma alça, porque o pesado de doze tiros, o cano é de ferro, quinado ou redondo, custa mais a esquentar mas, quando esquenta, demora muito pra esfriar. E o cabra, no aperto de ver as balas saindo moles, sem precisão, depois de uns sessenta tiros seguidos e com o cano quase em brasa, se vale da água da cabaça ou, se tiver tempo, urina em cima, ou corre com ele agarrado pela madeira da coronha para não se queimar. O do cano de mamão de doze tiros, eu não aprecio porque é comprido e fino. Quando esquenta,. está sujeito a empenar com um tombo. Já o de oito tiros, é muito curto. Além de levar pouca carga, é meio desconforme para a minha altura. Você vê que o que me serve mesmo é este aqui, de dez tiros. Não tenho queixa dele".
Lampião, pelos menos por um tempo, não usava o rifle na bandoleira. Eis o porque:
"O rifle na bandoleira é motivo de relaxe. Assim, não. Está na mão toda hora. Sei de quem já se arruinou por ter pegadio com bandoleira".
Sobre a conservação da arma, a qual brilhava de limpa:
"Aqui primeiro vai lixa de ferro e depois vareta de fuzil, passada muitas vezes. Somento o aço com aço dá esse brilho. E conserva bem".
Finalmente, o verso - hábito forte entre os cangaceiros - declamado por Lampião sobre sua preferência pelo rifle de 10 tiros:
"Meu rifle é o de dez tiros,
Dessa da boca amarrada,
Cruzeta do ponto branco,
D'argolinha pendurada,
Cano de aço legítimo,
Da culatra reforçada".
O mais interessante é que se tratavam de guerrilheiros cuja ideologia era a rapina, e nada mais - e cujas atividades se davam num contexto muito peculiar. Fora isso, alguns cangaceiros eram motivados apenas por vingança. O próprio Lampião começou no bando do cangaceiro Sinhô Pereira, o qual não roubava, não estuprava e só matava seus inimigos declarados (e, aparentemente, se não o fizesse acabaria sendo morto pelo alvo, cedo ou tarde).
Além do texto excelente (e mesmo sendo um trabalho acadêmico - de mestrado ou doutorado, imagino - de leitura tranqüila e nada empolado), o livro ainda tem um sensacional capítulo de fotos e vários anexos interessantes. Não fui eu que comprei (é da biblioteca do meu pai, da qual sou o curador informal), mas posso dizer que vale cada centavo.
O livro não poderia deixar de se concentrar na figura lendária de Lampião - embora seja bastante abrangente e forneça uma genealogia do cangaço desde a seca de 1559.
Gostei particularmente destes trechos, nos quais Lampião demonstra porque era o "Rei do Sertão".
Sobre armamento:
"E foi nesse momento que perguntei a Lampião porque ele não usava o rifle de doze tiros, do cano grosso e oitavado, como quase geral. E ele:
- Já teve até uma pessoa minha que fez um verso explicando isso. Eu gosto desse aqui, de dez tiros, do cano de mamão, que tem a argola de banda e a culatra reforçada, e que tem um ponto de solda branca na mira, com os dois canos arrochados na ponta por uma alça, porque o pesado de doze tiros, o cano é de ferro, quinado ou redondo, custa mais a esquentar mas, quando esquenta, demora muito pra esfriar. E o cabra, no aperto de ver as balas saindo moles, sem precisão, depois de uns sessenta tiros seguidos e com o cano quase em brasa, se vale da água da cabaça ou, se tiver tempo, urina em cima, ou corre com ele agarrado pela madeira da coronha para não se queimar. O do cano de mamão de doze tiros, eu não aprecio porque é comprido e fino. Quando esquenta,. está sujeito a empenar com um tombo. Já o de oito tiros, é muito curto. Além de levar pouca carga, é meio desconforme para a minha altura. Você vê que o que me serve mesmo é este aqui, de dez tiros. Não tenho queixa dele".
Lampião, pelos menos por um tempo, não usava o rifle na bandoleira. Eis o porque:
"O rifle na bandoleira é motivo de relaxe. Assim, não. Está na mão toda hora. Sei de quem já se arruinou por ter pegadio com bandoleira".
Sobre a conservação da arma, a qual brilhava de limpa:
"Aqui primeiro vai lixa de ferro e depois vareta de fuzil, passada muitas vezes. Somento o aço com aço dá esse brilho. E conserva bem".
Finalmente, o verso - hábito forte entre os cangaceiros - declamado por Lampião sobre sua preferência pelo rifle de 10 tiros:
"Meu rifle é o de dez tiros,
Dessa da boca amarrada,
Cruzeta do ponto branco,
D'argolinha pendurada,
Cano de aço legítimo,
Da culatra reforçada".
O mais interessante é que se tratavam de guerrilheiros cuja ideologia era a rapina, e nada mais - e cujas atividades se davam num contexto muito peculiar. Fora isso, alguns cangaceiros eram motivados apenas por vingança. O próprio Lampião começou no bando do cangaceiro Sinhô Pereira, o qual não roubava, não estuprava e só matava seus inimigos declarados (e, aparentemente, se não o fizesse acabaria sendo morto pelo alvo, cedo ou tarde).
Além do texto excelente (e mesmo sendo um trabalho acadêmico - de mestrado ou doutorado, imagino - de leitura tranqüila e nada empolado), o livro ainda tem um sensacional capítulo de fotos e vários anexos interessantes. Não fui eu que comprei (é da biblioteca do meu pai, da qual sou o curador informal), mas posso dizer que vale cada centavo.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
All things must pass
Diferentemente daquelas situações em que é tranquilo lidar com a morte de alguém que já estava muito velhinho, pra quem a ida era algo natural, quando alguém vai antes da hora, por mais que não seja uma supresa objetivamente, é sempre uma merda. É estranho ver alguém que não seja um maharishi de verdade lidar com essas coisas com serenidade. Não há como, especialmente quando se tem lembranças tão boas, ou lidar com o fato de se tornarem só lembranças, antes de qualquer outra coisa. Doença maldita.
It is not always going to be this grey. Obrigado ao George Harrison por me dar uma força nessa hora tão complicada, é só o que eu posso dizer. A terra fica pior e o céu fica melhor, e acho que é com isso que eu tenho que me conformar, embora não haja simplesmente como se conformar.
It is not always going to be this grey. Obrigado ao George Harrison por me dar uma força nessa hora tão complicada, é só o que eu posso dizer. A terra fica pior e o céu fica melhor, e acho que é com isso que eu tenho que me conformar, embora não haja simplesmente como se conformar.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Bazooka team
I have a dream.
Equipes volantes de demolição e destruição de automóveis com som alto e/ou cujos motoristas dirigem como se a rua fosse o quintal de sua própria casa, ou melhor, eles não dirigiriam como ANIMAIS se fosse na sua própria casa, eles dirigiriam menos estupidamente, porque poderiam passar por cima do cachorro ou do filho pequeno, ou se não tem nenhum dos dois, amassar o carro; enquanto na rua, no máximo, ele atropelará o cachorro ou o filho de outra pessoa.
Mas as equipes volantes estariam por aí, aptas a tirar de circulação essas ameaças à segurança e saúde públicas de forma rápida e eficiente, postadas sempre em locais que facilitam a aquisição dos alvos, movendo-se sempre para cobrir a maior parte possível da cidade. Em esquinas das vias rápidas, eles poderiam, de longe e com seus binóculos, identificar os carros que seguem na via em alta velocidade, fazendo ultrapassagens perigosas - a equipe trocaria informações pelo rádio e o artilheiro mais bem postado se encarrega de acertar o alvo. Nos parques e locais de grande circulação de jovens com carro "tunado" e aparelhagem de som que ele deixou de obturar os dentes e comprar o remédio da avó para instalar, patrulhas motorizadas fariam a dissuasão e destruiriam os recalcitrantes. "Qualidade", aqui, não seria tanto o critério, mas "quantidade". Qualquer volume de som maior do que é necessário para ser audível dentro da cabine do veículo e as REGRAS DE ENGAJAMENTO o tornam um alvo legítimo: pouco importa se está tocando Schubert ou a Egüinha Pocotó.
Finalmente, para os alvos mais difíceis, existiriam as equipes aéreas, equipadas para dar conta de carros importados e velozes, ou aqueles conduzidos por homicidas mais habilidosos.
Em pouco tempo, esse BANDO DE JAGUARAS que torna o trânsito uma máquina de fazer hamburgueres e inferniza terceiros de boa fé com seu gosto musical (não importa se bom ou mau, eu não quero saber o que o sujeito que passa na frente da minha casa sexta a noite gosta de ouvir, ou qualquer outro motorista, for that matter) entrará na linha, tenha a certeza. Se "pegar pelo bolso" não adianta, o alto- explosivo e a carbonização estarão lá para resolver o problema.
Assinar:
Postagens (Atom)