segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Batalha dos Aflitos

Hoje na hora do almoço, assistindo o telejornal, reconheci um Oficial da PM do Rio de Janeiro que foi preso por acusações de corrupção. A matéria dizia apenas que ele era árbitro de futebol, mas nada sobre sua atuação mais célebre nos gramados.

E eu o reconheci justamente porque, naquela tarde, as câmeras instaladas no Campo dos Aflitos o filmaram, por horas, tentando controlar os jogadores que disputavam a última vaga (acho que era isso) na série A daquele ano, depois de lances polêmicos, expulsões, pênaltis cobrados e sucessivamente anulados, mais expulsões e outras anomalias.

Todos viram a eletrizante "Batalha dos Aflitos", que virou o documentário apropriadamente chamado "Inacreditável". Lembro da minha incredulidade com os acontecimentos naquela tarde. Minha mãe, que acompanha o futebol muito ocasionalmente, me telefonou e perguntou: "você está vendo isso?" - exatamente assim, sem se referir ao jogo ou ao canal em que ele passava, subentendido que eu sabia do que ela falava - e eu disse que sim, e ela disse que iria desligar e me ligar depois que a partida terminasse, quando quer que isso fosse.

Foi um espetáculo, a Batalha dos Aflitos. Uma dose forte daquilo que chamamos, meio de brincadeira, de "magia do futebol" - o imponderável, o acaso, a aleatoriedade que quase inutiliza o conjunto de regras do futebol e o transforma em outra coisa.

Em muitas ocasiões, os árbitros influem de maneira decisiva e sumária, com a eficiência de uma guilhotina em um lance rápido que decide a partida implacavelmente, como o juiz que não viu Maradona fazer o gol com a mão, ou o desgraçado que apitou o fim enquanto a bola cabeceada (ou chutada?) por Zico viajava para o fundo do gol.

Mas, na Batalha dos Aflitos, a agonia durou horas. Não foi um corte rápido e limpo. Torcedores do Grêmio e do Náutico ficaram pendurados no pincel enquando o jogo se degenerou em uma rixa, paralisado por horas.

Tudo poderia ter sido mais simples e menos épico, não fosse pela atuação ridícula do árbitro Djalma Beltrami. De certa forma e ironicamente, se ele fosse um bom árbitro - aliás, se ele fosse um bom homem - talvez a história de heroísmo daquele jogo jamais tivesse acontecido.

Aquele jogo renhido só virou uma "batalha" porque o árbitro permitiu. Eu não gosto de vaticinar e cagar regra, mas lembro de ter pensado, quando vi ele dar o primeiro passo para trás, acuado por um jogador, que aquilo não ia dar certo. E não deu - Djalma Beltrami expulsou todos os jogadores possíveis antes de ser obrigado a encerrar a partida por WO. Correu pelo gramado acuado por jogadores das duas equipes, como uma galinha cercada para ser abatida. Foi chutado, levou socos - e continuou sendo humilhado pelos jogadores por longo tempo, até que as coisas foram se acalmando.

Foi o próprio Djalma Beltrami que criou essa situação - para ele, para as torcidas do Náutico e Grêmio e para quem assistiu aquele jogo entre a agonia e a euforia. E isso tudo aconteceu apenas porque Beltrami é um frouxo, um homem sem caráter; leniente quando deveria, por seu ofício, ser rigoroso.

É evidente que o árbitro, sozinho ou com a ajuda de seus auxiliares, não pode fazer frente a 11 ou a 22 homens dispostos a lhe surrar - por isso mesmo é que ele exerce sua autoridade antes que isso aconteça. Além de organizar o jogo, aplicar as penalidades e disciplinar os jogadores, cabe ao árbitro impedir uma escalada que culmine, justamente, com a deterioração da sua autoridade dentro do campo. De certa forma, é muito parecido com o tipo de liderança militar que sargentos e oficiais devem exercer: por meio da disciplina e da imposição de respeito.

Mas o ábritro de futebol também é um pouco como um carcereiro: desarmado, cuida de um contingente de pessoas muito superior, está sempre em desvantagem numérica e apenas por meio de uma relação muito complexa com seus vigiados é que ele sobrevive e consegue, em última análise, levar a cabo o seu ofício.

Beltrami não soube fazer uma coisa nem outra: nem liderar, nem impor respeito; não conseguiu impedir que sua autoridade fosse questionada e, depois, desaparecesse.

Não é, portanto, grande surpresa que seja corrupto na sua profissão "verdadeira", a de Policial Militar. Tenete-coronel da PM do Rio, Beltrami comandava um Batalhão e, ao invés de coibir o crime, havia se imiscuído a ele, cobrando propinas para deixar de fazer o que deveria - de forma parecida com a qual não fez o que deveria ter feito na partida que se tornou uma "batalha".

Quando vi na televisão que ele foi preso porque é corrupto, não me surpreendi: é o que se pode esperar, afinal, do homem frouxo, sem caráter, descrente da própria autoridade, da finalidade e importância da sua ocupação.

Amigo da bandidagem que é, Djalma Beltrami vai apitar peladas no pátio da penita - mas certamente não vai errar como errou nos Aflitos, sendo o buraco, na cadeia, muito mais embaixo.

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