quarta-feira, 21 de julho de 2010

Lei da Palmada?

Essa história do governo mandar para o congresso um projeto de lei proibindo castigos corporais em crianças poderia ser apenas ridícula, se não fosse o componente de interferência na vida privada das pessoas - não basta tomar o dinheiro dos impostos e mandar quase tudo pra Suíça, violar o sigilo de informações bancárias e fiscais, tentar controlar oficialmente (porque extra-oficialmente já é controlado) o conteúdo de jornais etc. Agora, o governo quer também fixar os parâmetros pelos quais as crianças serão educadas por seus pais.

Textos sobre isso inevitavelmente contém reflexões do tipo "apanhei e fez bem" ou "nunca apanhei e não fez falta" - é claro que dificilmente alguém dirá "não apanhei e virei um cretino" ou "apanhei e esperei 20 anos para me vingar e matei meus pais", porque o "apanhar" a que se quer referir aqui não é acorrentar na mesa, surrar com chave de roda ou dar choques elétricos embaixo das unhas: é a "palmada" mesmo, o tapa dado na hora exata do flagrante ou logo após a criança cometer a infração.

Não tenho filhos, mas vou recorrer ao clichê: funcionou comigo. Sempre que levei tapas quando era pequeno foi depois de ter feito grandes cagadas. Em algum lugar da minha psique infantil eu sabia que não era injusto - e se tivesse sido, acho que eu carregaria algum tipo de trauma, e não é o caso. Antes, o contrário: considero meus pais duas das pessoas que melhor se desincumbiram da tarefa de criar filhos entre todas que conheço, e sou extremamente grato a tudo que aprendi.

Aí tem quem apanhou demais, por crueldade, e vira algum tipo de psicopata, que vai bater nos filhos, se os tiver, ou vai passar a vida como aqueles cachorros assustados; e tem que nunca apanhou e vai passar a vida se comportando como se o resto do mundo estivesse a seu serviço, tocando fogo em mendigo, dirigindo como se as ruas fossem a sua própria pista de autorama: enfim, alheios às conseqüências dos seus próprios atos.

E é esse o BUSÍLIS: como lidamos com as conseqüências do que fazemos. Essa é uma das mais relevantes questões, ao mesmo tempo, existencial e civilizatória.

Existencial para o indivíduo e aqueles que o cercam mais proximamente; civilizatória para todos os demais (a tal da "sociedade"). Civilizatoriamente, no eterno pacto com o fracasso assumido por nós, o tal do projeto de lei é mais uma maneira de tentar fazer desaparecer as conseqüências, e, o que é pior, no âmbito que seja talvez o mais privado de todos. O governo quer decidir como os filhos das pessoas serão criados - e quer criar, ao que parece, uma super-raça de corruptos e insensíveis ao próximo, para que compactuem mais facilmente com a esculhambação, e tenham cada vez menos noção de limites. Afinal, só com muito cinismo ou ingenuidade é que se pode acreditar que uma criança de três anos pode ser racionalmente persuadida a não fazer guerra de comida ou pintar a tela da televisão com tinta gouache.

Existem, certamente, diversas correntes pedagógicas que defendem os dois pontos de vista (não me informei), mas, ao mesmo tempo, não é "rocket surgery" , é algo que depende apenas de bom senso - dos pais, e não do governo. Já existem crimes de tortura, lesões corporais e previsões do ECA para casos de verdadeira "agressão", a qual é muito diferente dos tabefes merecidos que eu e tantos outros adultos de hoje tomamos quando éramos pequenos. Tentar transformar isso em algo que deve ser tutelado pelo Estado é, além de ridículo, perigoso.

"Quando levaram os judeus, calei-me...quando levaram os vizinhos que deram umas palmadas nos filhos, já não havia mais quem protestasse".

Mais ainda do que isso, é de uma imoralidade atroz que um governo de vagabundos da pior espécie, sindicalistas vira-casaca, crias de comissários da KGB, ladrões de língua bifurcada e burgueses do capital alheio queira determinar como os filhos dos outros serão criados. Já disse, não tenho filhos, mas meus amigos mais próximos estão tendo filhos, alguns tem já a algum tempo, e o problema é deles, não do maldito governo.

Claro que, à primeira vista, a "iniciativa" é sempre simpática: "oh, um projeto de lei para que crianças não apanhem dos pais", quem poderá reclamar em sã consciência? Pega mal.

Mas eles sempre escolhem esse tipo de abordagem. E estão bastante adiantados no processo. Para eles, não basta transformar o criminoso comum em guardião do "sistema", é preciso ir mais longe, e criar condições para o surgimento de mais criminosos - no sentido amplo, claro. É uma estratégia revolucionária, fundada no fomento do caos e da desordem, está funcionando e se fortalecendo cada vez mais.