terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vendilhões do templo

Lobão sempre foi mais conhecido pelas opiniões "polêmicas", passagens pela polícia e estripulias midiáticas que propriamente pelos discos que gravou. Seu maior sucesso foi "Vida Bandida", de 1987, que vendeu cerca de 350.000 cópias, segundo a Wikipedia (em português). Os demais discos tiveram vendagem muito mais modesta - um deles foi um "experimento" feito por Lobão contra as gravadoras, distribuído de forma independente em bancas de jornal pouco antes que o download de músicas se popularizasse. Vendeu, ainda de acordo com a Wikipedia, 97 mil cópias.

Vendagem de discos já foi um assunto muito mais importante do que é hoje - o próprio Lobão que o diga. Quando não é assunto de que se ocupam burocratas e contadores de gravadoras, a vendagem tem um significado muito simples e intuitivo: é diretamente proporcional à popularidade do artista. As listas da Billboard, quando o disco ainda era o único meio de distribuição, retratavam com fidelidade a popularidade de músicos de diversos gêneros - indicando, em suma, quantas pessoas se dispunham a gastar dinheiro e adquirir um determinado álbum.

Para norte-americanos e outros capitalistas convictos e desembaraçados, era uma solução e tanto - aliás, a Billboard era vendida em bancas de jornal, não se tratava de informação sigilosa ou reservada. Como qualquer negócio, o da música e dos discos também precisava ser rentável. E a rentabilidade do negócio dependia da popularidade do artista, ou seja, das pessoas gostarem das músicas e se disporem a pagar por elas.

Nesse ambiente de liberdade e transparência foi que o o Rock'n Roll floresceu, se tornando uma das influências principais do próprio Lobão (dificilmente alguém vai dizer que as pessoas gostavam de Little Richard ou Buddy Holly porque era "imposição da mídia"). O sistema pelo qual a popularidade do artista era o que garantiria sua autonomia é o mais próximo que se pode chegar de uma "meritocracia" em uma época na qual os serviços de atravessadores profissionais - rádios e gravadoras, basicamente - eram essenciais para divulgação. Era um sistema cíclico: o artista produzia canções populares, mas que para serem conhecidas pelo maior número possível de pessoas, precisavam ser tocadas no rádio e encontradas na forma de EPs e LPs nas lojas. Com a divulgação, a popularidade do artista aumentava, seu público se tornava mais fiel, passava a aguardar o próximo lançamento e assim sucessivamente.

A beleza desse sistema é que o público era o fator determinante: as rádios e gravadoras viviam de dar ao público o que ele queria. Ninguém diz que o Milton Nascimento é um idiota quando canta que o "o artista deve ir onde o povo está", ou que "a voz do povo é a voz de deus", o próprio fundamento democrático saudado em todas as eleições pelo vencedor e pelo derrotado, é um axioma falso.

Perry Farell, o organizador do Lollapalooza, também é um sujeito metido a polêmico - e um pouco chato, insistente em sexualizar quase todas as suas declarações. Por mais que tenha falado algumas bobagens na entrevista que deu à Folha de S. Paulo, acertou quando disse que o Lobão deve parar de reclamar e gravar bons discos e ganhar mais fãs. Essa é a cultura da qual ele é oriundo: uma espécie de meritocracia na qual o atravessador não é o satã apregoado por Lobão e outros malas do ROQUE NACIONAL. Se não fossem as rádios e gravadoras, afinal, quem conheceria o Lobão? Quando o artista tem a noção utilitarista que a gravadora tem dele, percebe que ela é (ou era) apenas um meio. Companhias são apenas isso: para o proprietário e acionistas, um meio de lucrar; para o consumidor, um meio de adquirir sabão em pó, lâmpadas, pneus, discos ou livros.

A cultura de uma espécie de meritocracia e das bandas assumirem que seu sucesso ou fracasso é muito mais dependente da qualidade do material que produzem do que de alguma conspiração voltada contra elas para privar o mundo de genialidade não é a nossa. Lobão disse cretinices que reverberam uma mentalidade antiquada muito parecida com a de capitanias hereditárias e privilégios injustificáveis. O nacionalismo chinfrim é, na verdade, uma carapuça: Lobão pretende mesmo é se encostar, como um burocrata sem talento que obtém um cargo porque é filiado ao partido que está no poder. Ele pretende ser a atração principal quando não é mais - e talvez nunca tenha sido - porque, para ele, nacionalidade e antiguidade devem bastar numa atividade em que isso jamais poderia importar. E mesmo sobrepujar o gosto do público pelo que será tocado em um festival, rádio ou disco. Só porque uma banda é velha ou porque é brasileira não significa que seja boa, da mesma forma que uma banda americana não é boa apenas porque é americana ou porque é antiga. A lógica de mercado que os Lobões do mundo gostam de criticar é a mesma que os serviu durante muito tempo. O problema é que ele e tantos outros deixaram de fazer música para se dedicar à polêmica e à xaropeação, esperando que as pessoas lembrem deles porque eles são "muito loucos", "falam mesmo na cara da sociedade", se drogam, vão presos - coisa que o Little Richard, embora tivesse uma vida complicada, nunca precisou fazer: ele e tantos outros que serviram de inspiração ao Lobão só trabalhavam duro e faziam as melhores músicas que conseguiam. O resto se resolvia sozinho: sem necessidade de manifestos ou reclamações que, no fundo, dizem respeito apenas à falta de popularidade e repercussão da música dos Lobões da vida.

Se até o Figueiredo conseguiu dizer uma coisa legal sobre a anistia ("lugar de brasileiro é no Brasil"), Lobão deveria ser capaz se dizer que músico tem é que fazer música, e não encher o saco e dizer até que LEIS devem ser criadas para privilegiá-los. Chega a inspirar pena que ele, tão "transgressor", "polêmico", que já até gravou um disco da cadeia, proponha leis para garantir uma boquinha que os seus discos e seu talento não conseguem criar por si só.

Música não tem e não deve ter nada a ver com Lei, reserva de mercado e nenhum tipo de garantismo. Defendendo o contrário, Lobão se aproxima perigosamente de um totalitarismo contra o qual sempre disse se posicionar. Em suma, ninguém deveria gostar de Lobão ou exigir que ele seja atração principal em um festival só porque ele é brasileiro,mas sim porque gostam do que ele faz. Ele já se deu mal em um festival, não soube sequer reconhecer que teve outra chance e aproveitá-la - e que poderia até fazer um bom show justamente por uma espécie de clemência da platéia, irônica e exatamente pelos mesmos motivos errados: porque é uma figura "histórica" e nacional.

Portanto, se o Lobão fosse tudo que acha que é, estaria tocando com freqüência por todo o Brasil. No fundo, ele sabe que só por decreto ele é a atração principal.