sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Laranja Mecânica

Vi um pedaço de "Laranja Mecânica" ontem antes de ir dormir e pensei no desmonte progressivo, lento, gradual e irrestrito das cadeias, da polícia e da legislação penal no nosso bananão. A criminalidade tem crescido em Curitiba e região metropolitana alarmantemente - quem vive aqui há tempo tem notado isso. Há uma paralisação de 24 horas da Polícia Civil programada para, se não me engano, semana que vem - um protesto contra os equipamentos precários, salários e condições de trabalho ruins etc. Há um rumor de que a ordem em vigor dentro da PM é, nos finais de semana, tirar as viaturas da rua, já que é confusão demais para contingente de menos. Esse estado de coisas causa indignação nas vítimas eventuais - parentes e agregados de vítimas de latrocínios - e nas vítimas que sobrevivem a assaltos e outros tipos de crimes. De resto, é assim que a banda toca, e pouco resta a fazer. São Paulo, o estado com maior número de presos e com a polícia mais eficiente (uma relação de causa e efeito, como qualquer chimpanzé é capaz de intuir) do país já foi taxado de "estado fascista" justamente por conta disso - esses são os tempos em que vivemos.

Tempos de sugestões, partidas do governo, como a de liberar de pena os "pequenos traficantes" como uma solução mágica para os problemas do Rio de Janeiro. E tais sugestões não geram maiores discussões do que em algumas caixas de comentários de alguns blogs (certamente não deste), embora sejam de um absurdo evidente.

O ECA, cuja única utilidade prática é transformar crianças e adolescentes em super-criminosos, imunes à aplicação de pena e aptos a voltar a delinquir em pouquíssimo tempo, nunca foi discutido seriamente. Há um ou outro arroubo de indignação quando um crime especialmente bárbaro é cometido por um adolescente (vide Champinha). Aqui em Curitiba, nos últimos dias, houve uma seqüência de latrocínios cometidos por adolescentes - mas não se fala a respeito porque latrocínio já não é mais um crime que desperte assim tanta inquietude. 1) "É simplesmente mais um risco a que qualquer morador de cidades médias e grandes está submetido"; 2) "é culpa da vítima, já que certamente quem cometeu o crime o fez por "razões sociais", das quais a vítima é protagonista"; 3) "é tudo culpa da igreja católica, por introduzir idéias de "castigo" e "culpa" das quais, devido a centenas de anos de opressão, não conseguimos nos livrar"; 4) "mais escolas, menos cadeias!"; 5) "o morro vai descer, mano, e o bicho vai pegar!".

Há ainda outras tantas respostas possíveis. Se resignar - muitos anos ouvindo o mantra "jamais reaja", um estatuto do desarmamento e dois governos do PT depois, é muito difícil pensar e se adestrar para qualquer outra coisa - é a primeira delas. O homem médio, de fato, nada pode fazer: resta-lhe andar na rua com atenção redobrada, e já que não há meios de reagir, tentar ao menos antever as circunstâncias. Pessoalmente, creio já ter me safado de ser assaltado por andar atento na rua - na verdade, nunca vou saber, mas não abandono o hábito e a consciência situacional (outra utilidade oculta de jogos de tiro no PS2).

Nas universidades federais, diretórios estudantis, nos fóruns sociais e botecos brasil afora há outras respostas. Misturam, via de regra, as constatações surradas de que o crime sempre tem um pouco de culpa da vítima, que o criminoso só o comete porque "não tem opção", que a existência de leis e cadeias é uma coisa lamentável, uma "imposição cristã" desnecessária e castradora etc. [Nunca, jamais, uma menção a escolhas individuais, responsabilidade por essas escolhas, e às regras da vida em sociedade e punições, de todos conhecidas, correspondentes a suas infrações.]

Raramente presenciei algum raciocínio desses sendo levado até o fim: bom, se leis e cadeias são um "ranço cristão", substituí-las pelo que? Aliás, minto: já ouvi - perplexo - uma utopia que propunha uma divisão geográfica na qual todas as pessoas pudessem fazer aquilo que gostam: haveria distritos para homicidas, pedófilos, estupradores, assassinos seriais; mas também gente que quisesse apenas cultivar uma horta, andar de bicicleta, fazer artesanato. Sementes, arados e correias de bicicleta são fáceis de achar; vítimas voluntárias de homicídio e estupro, creio, um pouco mais raras. Quando perguntei como solucionar este problema, o utopista, claro, não soube o que dizer.

As respostas mirabolantes - como a lei dos "pequenos traficantes" - ganham cada vez mais força. Mas a que se prestam? Quem (fora o próprio criminoso) ganha com isso? Considerando a larga vantagem da qual quem opta pelo crime já goza - uma largada com enorme vantagem, propiciada pela polícia metade cúmplice, metade sucateada e inútil, judiciário capenga, falta de vagas na cadeia etc. - porque, afinal, querem criar mais outras?

Não sei, mas uma coisa é certa: isso é essencial para a revolução silenciosa que está em curso. O criminoso comum já não é mais isso - ele é um revolucionário. Pela lógica do racioncínio revolucionário, não existe crime comum: todo e qualquer crime é de classe, e alguns - vários - nem crime são (embora a lei diga que sejam).

Mensalão, desvio de recursos, putarias administrativas em geral: são feitas "em prol da causa", não são crime.

Latrocínio, roubo, invasão e destruição de propriedade privada: são crimes "de classe", logo, crimes políticos - não são cometidos por criminosos, mas por "resistentes", "guerrilheiros".

Veja o tal do Batistti: um homicida comum, que praticou crimes comuns [em uma democracia, em nome da implantação de uma ditadura comunista]: foi condenado à prisão perpétua na Itália, mas, no brasil, é um herói.

Googleie "Lovecchio" e "bomba", ou veja o artigo da wikipedia em português para um exemplo parecido e mais local.

Sobre o MST, então, é desnecessário comentar.

É o avesso do avesso. Quanto mais a criminalidade cresce e fica a vontade, mais sugestões de abrandamento das leis penais surgem - saindo da cloaca do próprio ministro da justiça. O que já é ridiculamente frouxo e condescendente - as leis atuais - tende a ficar ainda mais frouxo e condescendente. E digo que já é porque limitar a prisão de assassinos contumazes a 30 anos (embora a pena ultrapasse, digamos, os 300) de cana, sob pretextos "humanistas", é de uma imbecilidade atroz, só explicada por uma ingenuidade inexplicável (quando a lei foi criada e se acreditava em um "poder regenerador" das universidades do PCC/CV/TC/ADA) e, hoje, por um esquema ideológico maligno e sutil, que recrutou todos os criminosos do país sem que estes sequer saibam. São idiotas úteis, soldados do exército do foro de são paulo - e se fossem "apenas" do contingente que recebe bolsa-qualquer-coisa em troca de votos, menos mal: o problema é que estes não estão tão interessados em votar, e carregam fuzis e o desassombro atávico ou ingerido pelo nariz que lhes transformou na vanguarda insuspeita da revolução, derrubando helicópteros do "sistema", fazendo segurança das obras do PAC e, o mais importante, servindo de lembrete para os "opressores" nesse novo tipo de "guerra fria de classes" que está em curso.

A soma do ECA com a lei que o governo pretende emplacar sobre "pequenos traficantes" é explosiva. Será criado o maior exército de "aviõezinhos" que este país já viu. Somando a imunidade garantida para os "dimenor", já prevista pelo ECA, com a aliviada para o "pequeno traficante" e a ocupação terá grandes atrativos: bons ganhos, pouco risco, e a possibilidade de ascenção rápida na carreira. Foi pego uma vez, duas, três? Não tem problema: você deixa de ser "pequeno traficante", mas, condenado a 15, vai cumprir 6, sair antes disso para o semi-aberto, pegar um indulto de natal e nunca mais voltar - e aí você já é dono do morro, derruba helicóptero e domina a "comunidade" como se fosse um senhor feudal. E, agora, além disso tudo, você é útil ao regime, serve a um propósito maior e mais nobre do que sentar no topo do morro usando nike shox e empunhando uma uzi dourada - e se o seu propósito for apenas sentir a "adrena" de cometer crimes, ou o prazer de matar inocentes, não tem problema: você também é útil, é também um guerreiro de classe do grande exército popular do foro de são paulo.

"Quem poupa o lobo sacrifica as ovelhas", mas os revolucionários são sofisticados. Além de poupar o lobo, o domesticaram - e o transformaram em um dos braços - o mais armado e perigoso - da revolução, o carcereiro do resto da sociedade.

Deus nos ajude.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Pato laqueado de Beijing

Tenho até hoje guardada a edição extra de Veja que circulou quando o Collor foi deposto: a capa é o Collor de frente, cabeça gomalinada baixa e a manchete em letras vermelhas e garrafais: CAIU!
O melhor texto daquela edição é de Roberto Pompeu de Toledo, tirando sarro de todas as bravatas e gabolices do ex-presidente, como pilotar uma ferrari e reclamar que ela estava "puxando para a esquerda" para o piloto de testes da fábrica, posar de fotógrafo de flores do cerrado, pular de blindados do exército totalmente fardado (a la Jobim), entre outros episódios pitorescos. Jamais pensei que fosse dizer isso, mas que saudade daquela época: porque eu era mais novo, ainda não embrutecido pela vida, claro, mas porque projetos malucos de poder de gente obcecada duravam pouco.

Talvez porque não fossem tão bem elaborados.

No texto de Pompeu é narrado o episódio, que já ficou famoso, do malsinado brinde feito em Pequim, em volta de um pato laqueado, pelos futuros artífices da "Repúlica de Alagoas" - Renan Calheiros, o próprio Collor, se não me engano o "regenerado" Cláudio Humberto e outros. O texo situa o ocorrido como uma espécie de pedra fundamental do malogrado projeto de poder de Collor e seus acólitos - talvez não tão malogrado assim, talvez não malogrado at all.

Lembrei disso lendo as repercussões da mesada que Lula ganhou por ser "perseguido político", porque lendo isso lembrei de ter lido em algum lugar a história sobre, em algum bar de São Bernardo do Campo, a estrela do PT ter sido desenhada por algum acólito de Lula em um guardanapo.

Provavelmente houve algum brinde - talvez não "ao futuro presidente da república", mas algo parecido, quem sabe até "à futura nova classe" que eles pretendiam implantar, não com essas palavras, mas com essa intenção. Foi um projeto de poder muito mais bem engendrado e profissional. Podiam até estar bêbados, mas tinham muito mais determinação que o grupo reunido em Pequim - ali, creio que foi mais uma bravata que acabou funcionando do que qualquer outra coisa. O esquema que derrubou Collor foi típico de arrivistas baratos, não se sustentava - ele não conseguiu completar o mandato. Lula ruma para o terceiro.

Perdeu diversas eleições, mas nunca desistiu. A persistência e a paciência fazem lembrar o resoluto Hitler do putsch - o cabo bávaro, afinal, foi eleito.

Nunca antes na história deste país um projeto de poder foi tão arraigadamente implantado. Lula é a maior unanimidade da história do Brasil. Getúlio foi responsabilizado por um assassinato e o clima ficou insustentável - e ele saiu da vida para entrar na história. Há 7 cadáveres ligados às maquinações da eleição de Lula, e sua popularidade só cresce.

Collor, alguns gostam de dizer, caiu por causa de uma Elba - um mensalão, uma venda da varig, um mst arregado e tantas outras putarias franciscanas depois, e a popularidade do Lula só cresce.

Muitos se preocupam em entender e explicar esse fenômeno: o "presidente teflon", o "presidente pobre" que vingou todos os miseráveis ao se apossar da máquina e da chave do cofre, e a agir como um Robin Hood simbólico: ele rouba apenas para ele e seus "compadres", mas é como se roubasse para todos os pobres, fazendo justiça a "500 anos" de qualquer coisa. E coroa tudo com o perdão a todas as roubalheiras flagradas cabalmente: "pobre quando come melado se lambuza".

O pato laqueado de Collor e o guardanapo de boteco de Lula são dois marcos simbólicos, talvez, da mesma coisa. Como o nazismo serviu de precursor do comunismo, talvez o pato laqueado tenha servido para abrir caminho para os novos níveis de esculhambação e estupro da nação que vemos hoje. Não há uma área sequer da atuação estatal que não esteja contaminada por esculhambação oceânica, o que é salvaguardado, basicamente, por dois "argumentos": PAC/Bolsa Família/Social e "isso sempre foi assim". A diferença é o apego dessa gente à teta. Antes, parecia haver uma noção de finitude e certos pruridos. Hoje, não há mais prurido nenhum. Pelo contrário.

O achaque público dos fabricantes de aviões de caça é um bom exemplo da loucuragem que se instalou. Adhemar de Barros era de fato um amador. O que se vê hoje é uma mistura do "rouba, mas faz" com o "estupra, mas não mata" e a ética sindical.

Não é nenhum segredo: petistas, comunistas, socialistas e associados não são diferentes de outros postulantes inescrupulosos ao poder. A grande vantagem competitivas deles é a perfeita cortina de fumaça da qual dispõe: salvar os pobres, dividir as riquezas, "o social". E isso é o salvo-conduto para a estalinização geral. Até expurgos estalinistas tivemos - até que alguém explique o que aconteceu no caso Celso Daniel, é exatamente o que parece. A sindicalização do estado é outro problema: foram desmontados alguns dos poucos órgãos estatais que funcionavam bem e eram estritamente técnicos e funcionavam com base em uma idéia de excelência: o Itamaraty, o IPEA e outros. Viraram grandes sindicatos. Nunca fomos a melhor das meritocracias, mas a noção ainda não estava perdida. Perdeu-se.

No museu da república, daqui a muitos anos, o pato laqueado estará ao lado do guardanapo de boteco com o símbolo do PT, em uma vitrine sobre o "quarto reich" brasileiro e a sovietização não tão dissimulada do país.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Jogue "Conflict: Vietnam"

Poucos são os filmes "clássicos" sobre a guerra do Vietnam que exploraram as sensações do soldado raso em patrulha na selva tão bem quanto "Platoon". No início, logo após o desembarque do protagonista, uma coluna se desloca pela mata fechada - realmente fechada. Há diversas camadas de copas de árvores que formam um "teto" natural na floresta, transformando-a em uma verdadeira estufa e dando aos dias uma característica penumbra, e em certos trechos verdadeira escuridão, mesmo com o sol a pino. Essa cobertura propiciava perfeita camuflagem para os deslocamentos dos vietcongs - e toda a história da campanha de bombardeio e do uso de desfolhantes (agente laranja etc.) encontra aí a sua origem. Além do inimigo (charlie), havia outros adversários tão perigosos quanto ele: a selva e o clima. O verdadeiro "inimigo", aliás, era a combinação destes três elementos. As cenas de combate do já mencionado Platoon são bastante eloquentes: é MUITO difícil enxergar um soldado inimigo atirando em você em uma selva fechada e escura. Fora o clarão do disparo, tudo se confunde em um emaranhado verde-castanho de milhões de tonalidades misturadas, o zumbido de bilhões de insetos e os movimentos peristálticos da selva.

Além de poucos filmes e livros realmente bons que tratam exatamente disso, há também alguns jogos de PS2 - especialmente "Conflict: Vietnam". O jogo não é novo: é de 2004, e tem suas limitações. A jogabilidade é um pouco confusa - como, de resto, em qualquer jogo no qual além de propriamente jogar, controlando um persoangem, você ainda precisa dar ordens a outros componentes do seu grupo. No caso do "Conflict", você integra um grupo de 4 soldados, cuja composição é basicamente a mesma de um time de LRRP´s, mas reduzida a quatro integrantes, cada um de uma especialidade e carregando um tipo diferente de armamento. Aliás, o equipamento que cada personagem carrega é variado e farto: granadas de fumaça colorida, de fósforo e minas "claymore" são alguns dos itens mais icônicos da guerra do Vietnam que estão a disposição do jogador. Além disso, facas "k-bar", binóculos e bandagens completam o equipamento, além do armamento principal, geralmente uma arma longa (fuzil, espingarda ou metralhadora) e outra curta (pistola). Um dos personagens, o "Ragman" (aparentemente o líder da equipe), carrega uma submetralhadora e uma escopeta, ideais para combates a curta e média distância. Outro, um negro chamado "Junior" (mas com o caráter muito melhor que o personagem homônimo de "Platoon") carrega um fuzil M-14 (aquele do treinamento em "Full Metal Jacket" - "I don´t want no teenage queen, I just want my M-14!") com mira telescópica e uma pistola com silenciador. Há ainda o médico - apelidado de "Cherry", porque acabou de chegar dos Estados Unidos - armado com o bom e velho M-16 e com um suprimento extra de bandagens para remendar os colegas, e, finalmente, Hogg, que maneja a arma mais popular e querida dos soldados, a metralhadora M-60.

A jogabilidade é um um pouco trabalhosa. Particularmente, nunca me adaptei muito bem a jogos em que é necessário, além de atirar e se movimentar, dar ordens a outros personagens. Em "Conflict", alem de dar diversos tipos de ordens - parar, acompanhar, abrir fogo, cessar fogo, se dirigir a um determinado local e fazer um curativo em um companheiro ferido, entre outros - a um ou aos outros três soldados, é possível controlar qualquer um deles, o que é essencial para o andamento do jogo, já que sempre antes de "morrer", o personagem atingido criticamente tem um determinado tempo para receber tratamento do colega mais próximo - que passa a ser controlado pelo jogador caso isso aconteça.

Para desfrutar todas as possibilidades de "Conflict", é interessante controlar bem o sistema de ordens e controle dos personagens, o que certamente facilitará a vida do jogador e o progresso nas missões. Contrariamente a maioria dos jogos semelhantes, os outros personagens tem boa mira e não chegam a atrapalhar. Eu tendo a ignorá-los e me concentrar em progredir ao longo do mapa - e talvez por isso tenha empacado logo na terceira ou quarta missão.

Há um bom sistema de evolução dos personagens, por meio de pontuação adquirida de acordo com o desempenho de cada um deles nas missões. Os pontos podem ser gastos em habilidades de combate tais como manejo de fuzis, pistolas, granadas, desarme de armadilhas etc.

As missões tem sempre objetivos primários, secundários e bônus. Na primeira fase, um breve tutorial, o objetivo bônus, por exemplo, é levar uma garrafa de uísque adquirida no "PX" ao sargento encarregado do estande de tiro. Nesse quesito, "Conflict" tem alguns elementos de "GTA" e "Godfather": andando na base, é possível interagir com outros soldados e ouvir histórias sendo contadas em rodas de conversa ao longo do perímetro.

E se a jogabilidade é complicada no que diz respeito a controlar o esqudrão, é generosa quanto ao controle do personagem: embora visualizado durante a maior parte do tempo em "terceira pessoa", há um modo "primeira pessoa" com as miras da arma, o que é essencial para quem se acostumou com Medal of Honor e Call of Duty - além de indispensável para poder tirar partido do fuzil de precisão carregado por Junior. Aliás, o manejo das armas é bastante realista: no caso do "sniper", a mira varia conforme a respiração do personagem; os lança-foguetes M-72 por vezes encontrados durante as missões têm o característico atraso entre apertar o gatilho e o disparo, além de outros detalhes.

E, como a guerra na selva travada no Vietnam, o jogo é difícil. Os cenários são bem reproduzidos e camuflam muito bem o inimigo - reproduzindo a confusão visual das cenas já mencionadas em "Platoon" e outros filmes. Aliás, a evolução dos gráficos é digna de nota. Quem jogou " Vietnam", jogo que rodava com o engine do antigo "Doom", entenderá o que eu quero dizer. E o combate é realista: ficar parado equivale a morrer rapidamente. Talvez mais do que em qualquer outro jogo de tiro que eu tenha jogado, a regra de "fogo e movimento" é de observância obrigatória para que se consiga completar as missões.

Dentre os três jogos de Vietnam que encontrei para PS2, "Conflict: Vietnam" é o mais divertido, e recomendado entusiasticamente para quem se interesse por aquele peculiar conflito no sudeste asiático.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

OUR MOTTO IS: APOCALYPSE NOW

Café da manhã? Apocalypse now.

"Saigon. Shit, I´m still only in Saigon. Everytime I think I´m gonna wake up back in the jungle..."

Que graça pode ter algum filme de guerra depois desse? Talvez o Ryan, pela abertura e pela aparência magnífica, a areia grudada na lapela de uma autêntica farda ranger, a textura da tinta nos capacetes, e recuo dos fuzis, aquela cena em que o protagonista vê as comodidades do QG (café, sanduíche, um sujeito fazendo a barba) enquanto explica o quanto passou o horário de expediente se fodendo. E a parte do disco da Edith Piaf. Tem diálogos ótimos. "Tora, Tora, Tora" é quase um documentário. O mais longo dos dias só vale pelo Duke. "Iron Cross" é bom, mas autoral demais...as partes em câmera lenta e os devaneios não colam tão bem. Dos novos, "Black Hawk Down" é excelente. "Platoon" é um filme versátil sobre a guerra do Vietnam, e "Full Metal Jacket" é um soco no estômago.

Mas "Apocalypse Now" está em outro patamar. É doido demais. É a adaptação de "Despachos do Front" para o cinema. Já se tem uma idéia da loucura pela cena logo no começo, com o Indiana Jones nervoso tentando explicar a um capitão das forças especiais os motivos de uma missão muito louca - "charging a man with murder was like handing speeding tickets in the Indy 500". "Coração das Trevas" já é um puta livro, misturado com "Despachos" vira uma espécie de napalm cinematrogáfico, gasolina gelatinosa na película, que não gasta nunca. É uma porrada sempre. A guerra do Vietnam gerou três obras psicodélicas da mais alta qualidade. "Apocalypse", "Dispatches" e um quadrinho chamado "Guerra de Luz e Trevas". Diz que até hoje se tropeça em cápsulas de bala de fuzil, pistola, canhão, restos de helicópteros Huey e bobardeiros B-52 no interior do Vietnã. Não tem uma guerra com histórias mais improváveis. A história da guerra da criméia é sobre a carga da cavalaria ligeira. Das guerras napoleônicas, waterloo, a retirada da rússia, o egito. Peloponeso, guerras púnicas, Anibal cruzando os alpes com elefantes etc. - nada supera o soldado amaericano chapado, vagando de helicóptero sobre a selva tropical, ouvindo Hendrix, um destacamento de 10 forças especiais e 300 montagnards em um morro, cercados, lurps e a air cav, saigon...shit.

A versão do diretor funciona bem na primeira vez, e nas subsequentes parece que sobram algumas coisas. A parte com os franceses dá uma matada no andamento do filme, é quase um "intermission" como há em "Patton". A parte das coelhinhas dentro do helicóptero podia durar um pouco menos. Mas, no conjunto, continua matador. O que tem a mais com o Kurtz vale cada centavo.

São poucos os filmes para se agradecer. Esse é um deles. Nas resenhas falam em ser o filme mais "anti-bélico" de todos os tempos. Mas é mais do que isso. Desperta "instintos primitivos", como diria o Roberto Jefferson: ao mesmo tempo, a glória e o horror da guerra, em uníssono com o tom de "Despachos". O mensagem subliminar é a seguinte: é impossível descrever a guerra sem glorificá-la. É impossível sentir apenas nojo.

É um lugar comum dizer "assista Apocalypse Now", então direi "assista Apocalypse Now redux".

domingo, 30 de agosto de 2009

War is a drug

Cada guerra tem sua safra de filmes, e a guerra que vigora no oriente médio não é diferente. Vários filmes e até séries da TV a cabo já foram feitos. Das séries, assisti "Over There", e me pareceu uma série bem-feita. Dos filmes, vi um só, "Stop Loss", que também me pareceu bom. Digo "pareceu" porque tendo um contato relativamente próximo com o que acontece lá, ao menos da perspectiva de um soldado (meu cunhado é soldado - ou melhor, sargento! - do exército dos EUA), gostando de assuntos de guerra e tendo lido blogs informativos e excelentemente escritos como o www.armyofdude.blogspot com (o texto é muito bom), tive acesso a algumas perspectivas que...er, põem os filmes em perspectiva.

Como qualquer filme. Seja como for,me peguei a pensar na resehna escrita sobre o filme "Hurt Locker" e a frase que acompanha o título, "war is a drug".

A explicação fala por si só. Os pessoas ficaram expostas a situações de vida-ou-morte que embora durassem 10 minutos pareciam durar 10 anos, ouvindo balas zunir a centímetros de capacetes que deveriam garantir suas vidas, embora nenhum deles quisesse testar (ou qualquer outro clichê escrito a respeito de qualquer outro soldado em qualquer outra guerra). Obviamente sabem mais a respeito do que aparece no filme do qualquer um que não tenha estado lá.

E depois que voltam daquela "situaçã", ficam sentindo falta daquilo a que seus corpos e mentes estavam acostumados: a adrenalina de correr risco de morte, o coração " a milhão" em meio a um tiroteio, a visão de túnel naquele momento decisivo, focalizada em um único e palpitante ponto a uns 200m de distância.

Depois de voltar "ao mundo", como se acostumam com a ausência de tal mister diário? Tão diário quanto levantar da cama, tomar banho e bater o ponto em um emprego qualquer? Parece ser o mote do tal "Hurt Locker", e lança uma interessante questão: o cara doidão de guerra depende de decisões de estado pra conseguir o seu "fix". Qualquer fumador de pedra arruma uma pedra na esquina, a acaba morto quando a dívida cresce demais.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Leia "Despachos do Front"

Depois da terceira vez, tenho recomendado a vários amigos que leiam "Despachos do Front" quase com ânimo de um catequista. O mais chapado, acachapante, louco livro de guerra já escrito - sem exagero. Você chapa lendo o livro, e não é brincadeira nem modo de dizer.

O artigo da wikipedia é preciso: "one of the first pieces of American literature that allowed Americans to understand the experiences of soldiers in the Vietnam War".

E o livro é exatamente isso, quase ao ponto de glorificar a experiência toda. Certamente a experência de um correspondente em uma guerra é mais gloriosa que a de um soldado - se é que isso é possível, e é aí que há algum "debate" no livro sobre as circunstâncias maiores da guerra, maiores que a comida enlatada, o medo, o charlie, a superstição e nancy sinatra no USO de Saigon. A conclusão da guerra, ou o "resultado" dela está lá, é o fio condutor do livro, mas sem proselitismo - a grande graça de boas reportagens de guerra é essa, descrever situações pontuais sem espaço para grandes divagações e agenda ideológica. Convenha-se, aliás, que não é necessário afirmar que a guerra é uma coisa horrível se você simplesmente a descreve.

O livro é muito louco porque a guerra do Vietnam foi muito louca.

Guerra com todos os ingredientes perniciosos e detestáveis de sempre - mas com outros também. O repórter descreve um desembarque de helicóptero em um arrozal, uma subseqüente emboscada, o tiroteio e, de repente, começa a tocar "voodoo child" na selva, e é um soldado que retorna o fogo inimigo ao lado dele mas trouxe um aparelho de som portátil e soltou o som e disse: "já que estamos aqui nessa merda, melhor ouvindo isso, né?"

Tem a história dos Lurps, soldados que passavam 3 semanas embrenhados na selva em grupos de 4 a 6, só observando e recolhendo inteligênica - o repórter tem um divertido temor reverencial por esses soldados. Eu provavelmente teria também, como o soldado da infantaria regular tinha e parece que até charlie tinha ("charlie" era um dos apelidos do inimigo. As iniciais de Vietcong - VC - em alfabeto fonético são "victor" "charlie". Há uma explicação mais interessante no livro - leia! - mas era o apelido aparentemente mais utilizado). Um deles dá a receita para boa patrulha noturna: uppers antes, e downers durante (pílulas estimulantes e tranquilizantes, e nada de drogas ilegais: comprimidos que vinham no kit de primeiros socorros e nas mochilas dos paramédicos) os faziam enxergar no escuro e farejar o inimigo.

As fotos que vão nos links supra serviram pra ilustrar bem o que já é descrito lindamente no livro: o olhar duro, frio, destituído de juventude mesmo em rostos muito jovens, uma tranquilidade sinistra, mesmo com chances de morrer que, em casa, equivaleriam a ser atingido por um raio jogando futebol a cada dois dias, no mesmo lado do campo.

Helicópteros eram quase como táxis da selva. Entre uma matéria e outra, uma zona de pouso e outra, e depois outra, conseguir um helicóptero era quase como arrumar uma carona quando se sai a noite com um grupo de amigos, eles estavam todos indo e vindo o tempo todo, levando munição, trazendo mortos e feridos, entregando rações-C em um campo sitiado das forças especiais - a evolução natural do jeep. Além de tudo aquilo que acontece na seqüencia com "cavalgada das valquírias" no apocalypse now e o próprio som dos rotores como o prenúncio da redenção do soldado aterrorizado no meio da selva.

Depois de um dia inteiro em meio a operações de "busca e destruição", o repórter voltava para o Hotel Continental e, depois de vários conhaques e um baseado, dormia - sentindo cada soldado morto que ele havia visto (e não foram poucos) ali no quarto, junto com ele.

As histórias dos soldados que lá estavam, histórias de gente simples, jovem, que passou pelo inferno durante um ano (no mínimo) não porque se voluntariou, mas porque foi convocada - são histórias que devem ser, sempre, contadas. É fácil se horrorizar com a guerra, difícil é fazer uma boa descrição de primeira mão. Isso todos os livros dessa coleção, cada um a sua maneira, fazem. Mas o do Michael Herr é especial.

É a mistura do material (a própria guerra do vietnam) com o talento do repórter. O material, reconheça-se, é esplendido - woodstock, 68, saigon, fumo, o horror. A guerra continua sendo uma merda - mas essa foi uma merda louca. Não tinha nada da certeza moral da segunda guerra mundial, nao tinha nada da incipiência ideológica da guerra da coréia - era a mesma nojeira de sangue, destruição, morte, pavor, mas com uma trilha sonora sensacional, combates localizados (por um tempo) e ilhas de tranquilidade, cerveja, bagulho, momma-sons e mercado negro a meia hora de helicóptero de onde os pracinhas estavam "in the shit".

O livro carrega um paradoxo. Descreve o horror (o mesmo murmurado pelo Col. Kurtz) mas deixa um retrogosto glorioso - não da guerra em si, mas da observção pelo repórter.

Michael Herr tinha uma trupe de repórteres e fotógrafos loucos que andavam juntos e dois deles sumiram por lá mesmo - o filho do Errol Flynn, Sean Flynn, e um fotógrafo chamado Dana Stone - que, pelo que ele conta no livro, eram figuras adoráveis. Ele nutre por eles (e também pelos que não morreram) sentimentos análogos aos que soldados frequentemente descrevem sentir pelos seus camaradas - exatamente isso, a camaradagem de compartilhar os mesmos riscos, que não são poucos em uma zona de combate. Eles (e um outro fotógrafo descrito no livro) saíam de moto se dirigindo às zonas de operação - de uma dessas, no caboja, não voltaram, foram capturados por algum grupo narcoguerrilheiro local e os restos mortais de Dana Stone e Sean Flynn foram identificados em 2004.

No pós escrito Herr tenta desfazer a impressão de "glorificação" da experiência, mas é difícil - só é possível se compadacer das sequelas que a guerra deixou nele (e não foram poucas - o repórter, em pelo menos uma ocasião descrita no livro, largou a caneta para manejar uma metralhadora durante o cerco a Khe Sahn. Além disso, conviveu com a morte diariamente - acontecendo e acontecida). Não que tenha sido de propósito, pois seria idiotice escrever deliberadamente para glorificar o inglorificável. O ponto é: andar na frente de uma fila de marines em uma patrulha (como Dana Stone fazia questão de fazer, e os Marines gostavam, porque ele seria o primeiro a pisar numa mina ou levar um tiro, revelando assim a existência de um campo minado ou a posição de um franco-atirador), munido apenas de máquina fotográfica, em uma das mais perigosas áreas de combate de todas as guerras, estando lá por opção e um salário de merda - isso só pode ser glorioso.

A guerra do vietnam aconteceu muito antes da internet como a conhecemos - mas isso não impediu que a rede se tornasse repositório de farto material sobre o tema. Há inúmeros sites com histórias de veteranos, flickr´s com slides e fotos escaneadas, sites de associações de ex-combatentes e por aí vai. Há histórias tão inacreditáveis e surreais como as contadas por Michael Herr - de soldados, pilotos, marinheiros, repórteres e fotógrafos que frequentaram a guerra. Uma googlada dá em muitos bons resultados - como o link do flickr que vai acima, e que é de um soldado que, pelo tom de suas respostas aos comentários, meio que ainda está lá.

No pós-escrito, aliás, é essa sensação que Michael Herr transmite: ele voltou do vietnam depois de 18 meses, mas de certa forma ainda está lá.

E a cereja do bolo é a tradução feita por Ana Maria Bahiana, que aproximou as gírias dos soldados americanos ao nosso linguajar, e acertou na mosca ao traduzir "grunt" para "pracinha". Os diálogos entre os soldados são especialmente bem escritos, com adapatação das sonoridades, xingamentos e entonações. Além disso, há um cuidado especial nas notas explicativas sobre siglas e terminologia militar menos conhecida, além de precisão quase absoluta nas explicações sobre equipamento militar - e quem gosta de livros do gênero sabe que este é um dos defeitos mais comuns em traduções (em especial as da Bertrand Brasil). Em resumo, nunca li a versão original de Despachos do Front - e depois de ler essa edição, confesso que não sinto a menor vontade.

Enfim, qualquer coisa que eu pudesse dizer sobre o livro não faria justiça a ele e sua magnífica edição em português. Vale a leitura - no meu caso, foram três, só até agora.