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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Jogue "Conflict: Vietnam"

Poucos são os filmes "clássicos" sobre a guerra do Vietnam que exploraram as sensações do soldado raso em patrulha na selva tão bem quanto "Platoon". No início, logo após o desembarque do protagonista, uma coluna se desloca pela mata fechada - realmente fechada. Há diversas camadas de copas de árvores que formam um "teto" natural na floresta, transformando-a em uma verdadeira estufa e dando aos dias uma característica penumbra, e em certos trechos verdadeira escuridão, mesmo com o sol a pino. Essa cobertura propiciava perfeita camuflagem para os deslocamentos dos vietcongs - e toda a história da campanha de bombardeio e do uso de desfolhantes (agente laranja etc.) encontra aí a sua origem. Além do inimigo (charlie), havia outros adversários tão perigosos quanto ele: a selva e o clima. O verdadeiro "inimigo", aliás, era a combinação destes três elementos. As cenas de combate do já mencionado Platoon são bastante eloquentes: é MUITO difícil enxergar um soldado inimigo atirando em você em uma selva fechada e escura. Fora o clarão do disparo, tudo se confunde em um emaranhado verde-castanho de milhões de tonalidades misturadas, o zumbido de bilhões de insetos e os movimentos peristálticos da selva.

Além de poucos filmes e livros realmente bons que tratam exatamente disso, há também alguns jogos de PS2 - especialmente "Conflict: Vietnam". O jogo não é novo: é de 2004, e tem suas limitações. A jogabilidade é um pouco confusa - como, de resto, em qualquer jogo no qual além de propriamente jogar, controlando um persoangem, você ainda precisa dar ordens a outros componentes do seu grupo. No caso do "Conflict", você integra um grupo de 4 soldados, cuja composição é basicamente a mesma de um time de LRRP´s, mas reduzida a quatro integrantes, cada um de uma especialidade e carregando um tipo diferente de armamento. Aliás, o equipamento que cada personagem carrega é variado e farto: granadas de fumaça colorida, de fósforo e minas "claymore" são alguns dos itens mais icônicos da guerra do Vietnam que estão a disposição do jogador. Além disso, facas "k-bar", binóculos e bandagens completam o equipamento, além do armamento principal, geralmente uma arma longa (fuzil, espingarda ou metralhadora) e outra curta (pistola). Um dos personagens, o "Ragman" (aparentemente o líder da equipe), carrega uma submetralhadora e uma escopeta, ideais para combates a curta e média distância. Outro, um negro chamado "Junior" (mas com o caráter muito melhor que o personagem homônimo de "Platoon") carrega um fuzil M-14 (aquele do treinamento em "Full Metal Jacket" - "I don´t want no teenage queen, I just want my M-14!") com mira telescópica e uma pistola com silenciador. Há ainda o médico - apelidado de "Cherry", porque acabou de chegar dos Estados Unidos - armado com o bom e velho M-16 e com um suprimento extra de bandagens para remendar os colegas, e, finalmente, Hogg, que maneja a arma mais popular e querida dos soldados, a metralhadora M-60.

A jogabilidade é um um pouco trabalhosa. Particularmente, nunca me adaptei muito bem a jogos em que é necessário, além de atirar e se movimentar, dar ordens a outros personagens. Em "Conflict", alem de dar diversos tipos de ordens - parar, acompanhar, abrir fogo, cessar fogo, se dirigir a um determinado local e fazer um curativo em um companheiro ferido, entre outros - a um ou aos outros três soldados, é possível controlar qualquer um deles, o que é essencial para o andamento do jogo, já que sempre antes de "morrer", o personagem atingido criticamente tem um determinado tempo para receber tratamento do colega mais próximo - que passa a ser controlado pelo jogador caso isso aconteça.

Para desfrutar todas as possibilidades de "Conflict", é interessante controlar bem o sistema de ordens e controle dos personagens, o que certamente facilitará a vida do jogador e o progresso nas missões. Contrariamente a maioria dos jogos semelhantes, os outros personagens tem boa mira e não chegam a atrapalhar. Eu tendo a ignorá-los e me concentrar em progredir ao longo do mapa - e talvez por isso tenha empacado logo na terceira ou quarta missão.

Há um bom sistema de evolução dos personagens, por meio de pontuação adquirida de acordo com o desempenho de cada um deles nas missões. Os pontos podem ser gastos em habilidades de combate tais como manejo de fuzis, pistolas, granadas, desarme de armadilhas etc.

As missões tem sempre objetivos primários, secundários e bônus. Na primeira fase, um breve tutorial, o objetivo bônus, por exemplo, é levar uma garrafa de uísque adquirida no "PX" ao sargento encarregado do estande de tiro. Nesse quesito, "Conflict" tem alguns elementos de "GTA" e "Godfather": andando na base, é possível interagir com outros soldados e ouvir histórias sendo contadas em rodas de conversa ao longo do perímetro.

E se a jogabilidade é complicada no que diz respeito a controlar o esqudrão, é generosa quanto ao controle do personagem: embora visualizado durante a maior parte do tempo em "terceira pessoa", há um modo "primeira pessoa" com as miras da arma, o que é essencial para quem se acostumou com Medal of Honor e Call of Duty - além de indispensável para poder tirar partido do fuzil de precisão carregado por Junior. Aliás, o manejo das armas é bastante realista: no caso do "sniper", a mira varia conforme a respiração do personagem; os lança-foguetes M-72 por vezes encontrados durante as missões têm o característico atraso entre apertar o gatilho e o disparo, além de outros detalhes.

E, como a guerra na selva travada no Vietnam, o jogo é difícil. Os cenários são bem reproduzidos e camuflam muito bem o inimigo - reproduzindo a confusão visual das cenas já mencionadas em "Platoon" e outros filmes. Aliás, a evolução dos gráficos é digna de nota. Quem jogou " Vietnam", jogo que rodava com o engine do antigo "Doom", entenderá o que eu quero dizer. E o combate é realista: ficar parado equivale a morrer rapidamente. Talvez mais do que em qualquer outro jogo de tiro que eu tenha jogado, a regra de "fogo e movimento" é de observância obrigatória para que se consiga completar as missões.

Dentre os três jogos de Vietnam que encontrei para PS2, "Conflict: Vietnam" é o mais divertido, e recomendado entusiasticamente para quem se interesse por aquele peculiar conflito no sudeste asiático.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Leia "Despachos do Front"

Depois da terceira vez, tenho recomendado a vários amigos que leiam "Despachos do Front" quase com ânimo de um catequista. O mais chapado, acachapante, louco livro de guerra já escrito - sem exagero. Você chapa lendo o livro, e não é brincadeira nem modo de dizer.

O artigo da wikipedia é preciso: "one of the first pieces of American literature that allowed Americans to understand the experiences of soldiers in the Vietnam War".

E o livro é exatamente isso, quase ao ponto de glorificar a experiência toda. Certamente a experência de um correspondente em uma guerra é mais gloriosa que a de um soldado - se é que isso é possível, e é aí que há algum "debate" no livro sobre as circunstâncias maiores da guerra, maiores que a comida enlatada, o medo, o charlie, a superstição e nancy sinatra no USO de Saigon. A conclusão da guerra, ou o "resultado" dela está lá, é o fio condutor do livro, mas sem proselitismo - a grande graça de boas reportagens de guerra é essa, descrever situações pontuais sem espaço para grandes divagações e agenda ideológica. Convenha-se, aliás, que não é necessário afirmar que a guerra é uma coisa horrível se você simplesmente a descreve.

O livro é muito louco porque a guerra do Vietnam foi muito louca.

Guerra com todos os ingredientes perniciosos e detestáveis de sempre - mas com outros também. O repórter descreve um desembarque de helicóptero em um arrozal, uma subseqüente emboscada, o tiroteio e, de repente, começa a tocar "voodoo child" na selva, e é um soldado que retorna o fogo inimigo ao lado dele mas trouxe um aparelho de som portátil e soltou o som e disse: "já que estamos aqui nessa merda, melhor ouvindo isso, né?"

Tem a história dos Lurps, soldados que passavam 3 semanas embrenhados na selva em grupos de 4 a 6, só observando e recolhendo inteligênica - o repórter tem um divertido temor reverencial por esses soldados. Eu provavelmente teria também, como o soldado da infantaria regular tinha e parece que até charlie tinha ("charlie" era um dos apelidos do inimigo. As iniciais de Vietcong - VC - em alfabeto fonético são "victor" "charlie". Há uma explicação mais interessante no livro - leia! - mas era o apelido aparentemente mais utilizado). Um deles dá a receita para boa patrulha noturna: uppers antes, e downers durante (pílulas estimulantes e tranquilizantes, e nada de drogas ilegais: comprimidos que vinham no kit de primeiros socorros e nas mochilas dos paramédicos) os faziam enxergar no escuro e farejar o inimigo.

As fotos que vão nos links supra serviram pra ilustrar bem o que já é descrito lindamente no livro: o olhar duro, frio, destituído de juventude mesmo em rostos muito jovens, uma tranquilidade sinistra, mesmo com chances de morrer que, em casa, equivaleriam a ser atingido por um raio jogando futebol a cada dois dias, no mesmo lado do campo.

Helicópteros eram quase como táxis da selva. Entre uma matéria e outra, uma zona de pouso e outra, e depois outra, conseguir um helicóptero era quase como arrumar uma carona quando se sai a noite com um grupo de amigos, eles estavam todos indo e vindo o tempo todo, levando munição, trazendo mortos e feridos, entregando rações-C em um campo sitiado das forças especiais - a evolução natural do jeep. Além de tudo aquilo que acontece na seqüencia com "cavalgada das valquírias" no apocalypse now e o próprio som dos rotores como o prenúncio da redenção do soldado aterrorizado no meio da selva.

Depois de um dia inteiro em meio a operações de "busca e destruição", o repórter voltava para o Hotel Continental e, depois de vários conhaques e um baseado, dormia - sentindo cada soldado morto que ele havia visto (e não foram poucos) ali no quarto, junto com ele.

As histórias dos soldados que lá estavam, histórias de gente simples, jovem, que passou pelo inferno durante um ano (no mínimo) não porque se voluntariou, mas porque foi convocada - são histórias que devem ser, sempre, contadas. É fácil se horrorizar com a guerra, difícil é fazer uma boa descrição de primeira mão. Isso todos os livros dessa coleção, cada um a sua maneira, fazem. Mas o do Michael Herr é especial.

É a mistura do material (a própria guerra do vietnam) com o talento do repórter. O material, reconheça-se, é esplendido - woodstock, 68, saigon, fumo, o horror. A guerra continua sendo uma merda - mas essa foi uma merda louca. Não tinha nada da certeza moral da segunda guerra mundial, nao tinha nada da incipiência ideológica da guerra da coréia - era a mesma nojeira de sangue, destruição, morte, pavor, mas com uma trilha sonora sensacional, combates localizados (por um tempo) e ilhas de tranquilidade, cerveja, bagulho, momma-sons e mercado negro a meia hora de helicóptero de onde os pracinhas estavam "in the shit".

O livro carrega um paradoxo. Descreve o horror (o mesmo murmurado pelo Col. Kurtz) mas deixa um retrogosto glorioso - não da guerra em si, mas da observção pelo repórter.

Michael Herr tinha uma trupe de repórteres e fotógrafos loucos que andavam juntos e dois deles sumiram por lá mesmo - o filho do Errol Flynn, Sean Flynn, e um fotógrafo chamado Dana Stone - que, pelo que ele conta no livro, eram figuras adoráveis. Ele nutre por eles (e também pelos que não morreram) sentimentos análogos aos que soldados frequentemente descrevem sentir pelos seus camaradas - exatamente isso, a camaradagem de compartilhar os mesmos riscos, que não são poucos em uma zona de combate. Eles (e um outro fotógrafo descrito no livro) saíam de moto se dirigindo às zonas de operação - de uma dessas, no caboja, não voltaram, foram capturados por algum grupo narcoguerrilheiro local e os restos mortais de Dana Stone e Sean Flynn foram identificados em 2004.

No pós escrito Herr tenta desfazer a impressão de "glorificação" da experiência, mas é difícil - só é possível se compadacer das sequelas que a guerra deixou nele (e não foram poucas - o repórter, em pelo menos uma ocasião descrita no livro, largou a caneta para manejar uma metralhadora durante o cerco a Khe Sahn. Além disso, conviveu com a morte diariamente - acontecendo e acontecida). Não que tenha sido de propósito, pois seria idiotice escrever deliberadamente para glorificar o inglorificável. O ponto é: andar na frente de uma fila de marines em uma patrulha (como Dana Stone fazia questão de fazer, e os Marines gostavam, porque ele seria o primeiro a pisar numa mina ou levar um tiro, revelando assim a existência de um campo minado ou a posição de um franco-atirador), munido apenas de máquina fotográfica, em uma das mais perigosas áreas de combate de todas as guerras, estando lá por opção e um salário de merda - isso só pode ser glorioso.

A guerra do vietnam aconteceu muito antes da internet como a conhecemos - mas isso não impediu que a rede se tornasse repositório de farto material sobre o tema. Há inúmeros sites com histórias de veteranos, flickr´s com slides e fotos escaneadas, sites de associações de ex-combatentes e por aí vai. Há histórias tão inacreditáveis e surreais como as contadas por Michael Herr - de soldados, pilotos, marinheiros, repórteres e fotógrafos que frequentaram a guerra. Uma googlada dá em muitos bons resultados - como o link do flickr que vai acima, e que é de um soldado que, pelo tom de suas respostas aos comentários, meio que ainda está lá.

No pós-escrito, aliás, é essa sensação que Michael Herr transmite: ele voltou do vietnam depois de 18 meses, mas de certa forma ainda está lá.

E a cereja do bolo é a tradução feita por Ana Maria Bahiana, que aproximou as gírias dos soldados americanos ao nosso linguajar, e acertou na mosca ao traduzir "grunt" para "pracinha". Os diálogos entre os soldados são especialmente bem escritos, com adapatação das sonoridades, xingamentos e entonações. Além disso, há um cuidado especial nas notas explicativas sobre siglas e terminologia militar menos conhecida, além de precisão quase absoluta nas explicações sobre equipamento militar - e quem gosta de livros do gênero sabe que este é um dos defeitos mais comuns em traduções (em especial as da Bertrand Brasil). Em resumo, nunca li a versão original de Despachos do Front - e depois de ler essa edição, confesso que não sinto a menor vontade.

Enfim, qualquer coisa que eu pudesse dizer sobre o livro não faria justiça a ele e sua magnífica edição em português. Vale a leitura - no meu caso, foram três, só até agora.