segunda-feira, 12 de março de 2012

As so(m)bras do metal

Poucos gêneros musicais evocam devoção quase religiosa de seus adeptos - por mais que a música seja importante na vida de um indivíduo, é incomum que se veja gente fazendo questão de usar camisetas do U2, do Black Eyes Peas, Beyonce ou qualquer outro fenômeno musical mais "mainstream". E você pode não conseguir consertar um telefone celular Blackberry ou dispor do melhor tratamento médico em Curitiba, mas vai achar a camiseta de praticamente qualquer banda de rock que se preze em uma claustrofóbica loja na rua Marechal Floriano, quasa na Praça Tiradentes, ao lado do finado Hotel Eduardo VII.

O metal, embora já tenha sido mais popular, continua vigoroso após muitos anos de discussão sobre a origem do termo "heavy metal". No encarte de uma das versões remasterizadas de "Master Of Reality", o redator faz questão de esclarecer que a expressão não era comum na época em que o Black Sabbath puxava a fila do som pesado à base de afinações mais graves e riffs tétricos. Outros atribuem a gênese do heavy metal ao Led Zeppelin (por causa de "Immigrant Song"); há ainda quem se recorde que o Steppenwolf teria cunhado a expressão na letra da cansada "Born to be Wild".

Seja como for, o fato é que há, ainda hoje, bandas com 30 anos de atividade lançando discos com alguma regularidade e - o que é ainda mais relevante - excursionando o mundo todo tocando músicas de discos gravados em 1986 para platéias repletas de gente que não havia nem nascido quando essas músicas foram compostas.

Recentemente, o "Big 4", tour que reuniu os autoproclamados "grandes" do thrash metal (Metallica, Megadeth, Slayer e Anthrax), trouxe o metal de volta às páginas da Rolling Stone, entrevistas no GNT e menções na revista Veja. O metal, talvez mais do que qualquer outro gênero, foi o que talvez mais tenha beneficiado os fãs com a radical mudança - ainda em curso - dos meios de distribuição de música.

Em síntese, o músico parou de ganhar dinheiro com discos e royalties, e precisa, mais do que antes, "ir aonde o povo está". Um festival de metal em São Luís do Maranhão, com vários dos maiores e mais tradicionais nomes do metal, corrobora essa assertiva.

Aliás, você consegue imaginar qualquer outro festival mais "convencional" realizado tão longe do eixo RJ-SP? Não, é claro.

Há algo muito eloquente a respeito da localização do Metal Open Air - e ouso dizer que guarda mais relação com a disposição do público a viajar longas distâncias do que com a proximidade da cidade aos EUA ou à Europa (é bem mais perto que SP ou RJ, afinal). E quem não se dispuser a ir ao Maranhão ainda poderá desfrutrar de vários shows que muitas das bandas escaladas para o festival farão em São Paulo, Rio, Curitiba - ou seja, em alguma calculadora a conta fechou: muitas pessoas da região de São Luís devem ir aos shows, assim como tantas outras que viajarão até lá e outras que, mesmo que não possam conferir todo o escrete de 20 bandas gringas (encabeçadas por Anthrax e Megadeth) e várias outras nacionais, vão comparecer aos shows da "rebarba", uma chance de as bandas divulgarem seu material e ganharem mais uns trocados, já que estão na região e a poucas horas de grandes centros onde há público.

Seria mais ou menos como se Stevie Wonder, Peter Gabriel, Axl Rose e Kate Perry passassem um mês no Brasil, tocando em casas noturnas em que cabem de duas a quatro mil pessoas, antes e depois do mais recente Rock In Rio - coisa inaudita, convenha-se.

Entretanto, outras regras se aplicam ao metal - há uma atmosfera quase circense em volta dos shows, e as bandas se orgulham (pelos mais variados motivos) de suas tradições de estrada. Mais ou menos como o próprio circo, parece não haver sentido para a existência de uma banda de metal se ela não viaja o mundo, constantemente, para se encontrar com o seu público.

Talvez não haja tradição no rock mais forte do que essa. Como a convocação de soldados para uma guerra, os shows de metal estão sempre lotados, e bandas como Testament e Exodus (expoentes do thrash metal excluídos do "Big 4") freqüentemente tocam no Brasil. Poucos gêneros musicais conseguem instilar em seus seguidores esse senso de pertencimento, do qual tanto o artista quanto o fã se alimentam.

No Metal Open Air, aliás, há metal para todos os gostos: desde o insistente duo canadense Anvil à reserva moral que é o Megadeth, passando pelo Anthrax (talvez, injustamente, o "menor" do Big 4) e por protagonistas de metal extremo como o Obituary, há todas as gradações de peso e agressividade no festival. Mas, diferentemente do que acontece em festivais que misturam Sepultura com Lobão, isso não gerará qualquer discórdia - porque, mal comparando o metal com o futebol, é como se todos os times fossem um só.