sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Laranja Mecânica

Vi um pedaço de "Laranja Mecânica" ontem antes de ir dormir e pensei no desmonte progressivo, lento, gradual e irrestrito das cadeias, da polícia e da legislação penal no nosso bananão. A criminalidade tem crescido em Curitiba e região metropolitana alarmantemente - quem vive aqui há tempo tem notado isso. Há uma paralisação de 24 horas da Polícia Civil programada para, se não me engano, semana que vem - um protesto contra os equipamentos precários, salários e condições de trabalho ruins etc. Há um rumor de que a ordem em vigor dentro da PM é, nos finais de semana, tirar as viaturas da rua, já que é confusão demais para contingente de menos. Esse estado de coisas causa indignação nas vítimas eventuais - parentes e agregados de vítimas de latrocínios - e nas vítimas que sobrevivem a assaltos e outros tipos de crimes. De resto, é assim que a banda toca, e pouco resta a fazer. São Paulo, o estado com maior número de presos e com a polícia mais eficiente (uma relação de causa e efeito, como qualquer chimpanzé é capaz de intuir) do país já foi taxado de "estado fascista" justamente por conta disso - esses são os tempos em que vivemos.

Tempos de sugestões, partidas do governo, como a de liberar de pena os "pequenos traficantes" como uma solução mágica para os problemas do Rio de Janeiro. E tais sugestões não geram maiores discussões do que em algumas caixas de comentários de alguns blogs (certamente não deste), embora sejam de um absurdo evidente.

O ECA, cuja única utilidade prática é transformar crianças e adolescentes em super-criminosos, imunes à aplicação de pena e aptos a voltar a delinquir em pouquíssimo tempo, nunca foi discutido seriamente. Há um ou outro arroubo de indignação quando um crime especialmente bárbaro é cometido por um adolescente (vide Champinha). Aqui em Curitiba, nos últimos dias, houve uma seqüência de latrocínios cometidos por adolescentes - mas não se fala a respeito porque latrocínio já não é mais um crime que desperte assim tanta inquietude. 1) "É simplesmente mais um risco a que qualquer morador de cidades médias e grandes está submetido"; 2) "é culpa da vítima, já que certamente quem cometeu o crime o fez por "razões sociais", das quais a vítima é protagonista"; 3) "é tudo culpa da igreja católica, por introduzir idéias de "castigo" e "culpa" das quais, devido a centenas de anos de opressão, não conseguimos nos livrar"; 4) "mais escolas, menos cadeias!"; 5) "o morro vai descer, mano, e o bicho vai pegar!".

Há ainda outras tantas respostas possíveis. Se resignar - muitos anos ouvindo o mantra "jamais reaja", um estatuto do desarmamento e dois governos do PT depois, é muito difícil pensar e se adestrar para qualquer outra coisa - é a primeira delas. O homem médio, de fato, nada pode fazer: resta-lhe andar na rua com atenção redobrada, e já que não há meios de reagir, tentar ao menos antever as circunstâncias. Pessoalmente, creio já ter me safado de ser assaltado por andar atento na rua - na verdade, nunca vou saber, mas não abandono o hábito e a consciência situacional (outra utilidade oculta de jogos de tiro no PS2).

Nas universidades federais, diretórios estudantis, nos fóruns sociais e botecos brasil afora há outras respostas. Misturam, via de regra, as constatações surradas de que o crime sempre tem um pouco de culpa da vítima, que o criminoso só o comete porque "não tem opção", que a existência de leis e cadeias é uma coisa lamentável, uma "imposição cristã" desnecessária e castradora etc. [Nunca, jamais, uma menção a escolhas individuais, responsabilidade por essas escolhas, e às regras da vida em sociedade e punições, de todos conhecidas, correspondentes a suas infrações.]

Raramente presenciei algum raciocínio desses sendo levado até o fim: bom, se leis e cadeias são um "ranço cristão", substituí-las pelo que? Aliás, minto: já ouvi - perplexo - uma utopia que propunha uma divisão geográfica na qual todas as pessoas pudessem fazer aquilo que gostam: haveria distritos para homicidas, pedófilos, estupradores, assassinos seriais; mas também gente que quisesse apenas cultivar uma horta, andar de bicicleta, fazer artesanato. Sementes, arados e correias de bicicleta são fáceis de achar; vítimas voluntárias de homicídio e estupro, creio, um pouco mais raras. Quando perguntei como solucionar este problema, o utopista, claro, não soube o que dizer.

As respostas mirabolantes - como a lei dos "pequenos traficantes" - ganham cada vez mais força. Mas a que se prestam? Quem (fora o próprio criminoso) ganha com isso? Considerando a larga vantagem da qual quem opta pelo crime já goza - uma largada com enorme vantagem, propiciada pela polícia metade cúmplice, metade sucateada e inútil, judiciário capenga, falta de vagas na cadeia etc. - porque, afinal, querem criar mais outras?

Não sei, mas uma coisa é certa: isso é essencial para a revolução silenciosa que está em curso. O criminoso comum já não é mais isso - ele é um revolucionário. Pela lógica do racioncínio revolucionário, não existe crime comum: todo e qualquer crime é de classe, e alguns - vários - nem crime são (embora a lei diga que sejam).

Mensalão, desvio de recursos, putarias administrativas em geral: são feitas "em prol da causa", não são crime.

Latrocínio, roubo, invasão e destruição de propriedade privada: são crimes "de classe", logo, crimes políticos - não são cometidos por criminosos, mas por "resistentes", "guerrilheiros".

Veja o tal do Batistti: um homicida comum, que praticou crimes comuns [em uma democracia, em nome da implantação de uma ditadura comunista]: foi condenado à prisão perpétua na Itália, mas, no brasil, é um herói.

Googleie "Lovecchio" e "bomba", ou veja o artigo da wikipedia em português para um exemplo parecido e mais local.

Sobre o MST, então, é desnecessário comentar.

É o avesso do avesso. Quanto mais a criminalidade cresce e fica a vontade, mais sugestões de abrandamento das leis penais surgem - saindo da cloaca do próprio ministro da justiça. O que já é ridiculamente frouxo e condescendente - as leis atuais - tende a ficar ainda mais frouxo e condescendente. E digo que já é porque limitar a prisão de assassinos contumazes a 30 anos (embora a pena ultrapasse, digamos, os 300) de cana, sob pretextos "humanistas", é de uma imbecilidade atroz, só explicada por uma ingenuidade inexplicável (quando a lei foi criada e se acreditava em um "poder regenerador" das universidades do PCC/CV/TC/ADA) e, hoje, por um esquema ideológico maligno e sutil, que recrutou todos os criminosos do país sem que estes sequer saibam. São idiotas úteis, soldados do exército do foro de são paulo - e se fossem "apenas" do contingente que recebe bolsa-qualquer-coisa em troca de votos, menos mal: o problema é que estes não estão tão interessados em votar, e carregam fuzis e o desassombro atávico ou ingerido pelo nariz que lhes transformou na vanguarda insuspeita da revolução, derrubando helicópteros do "sistema", fazendo segurança das obras do PAC e, o mais importante, servindo de lembrete para os "opressores" nesse novo tipo de "guerra fria de classes" que está em curso.

A soma do ECA com a lei que o governo pretende emplacar sobre "pequenos traficantes" é explosiva. Será criado o maior exército de "aviõezinhos" que este país já viu. Somando a imunidade garantida para os "dimenor", já prevista pelo ECA, com a aliviada para o "pequeno traficante" e a ocupação terá grandes atrativos: bons ganhos, pouco risco, e a possibilidade de ascenção rápida na carreira. Foi pego uma vez, duas, três? Não tem problema: você deixa de ser "pequeno traficante", mas, condenado a 15, vai cumprir 6, sair antes disso para o semi-aberto, pegar um indulto de natal e nunca mais voltar - e aí você já é dono do morro, derruba helicóptero e domina a "comunidade" como se fosse um senhor feudal. E, agora, além disso tudo, você é útil ao regime, serve a um propósito maior e mais nobre do que sentar no topo do morro usando nike shox e empunhando uma uzi dourada - e se o seu propósito for apenas sentir a "adrena" de cometer crimes, ou o prazer de matar inocentes, não tem problema: você também é útil, é também um guerreiro de classe do grande exército popular do foro de são paulo.

"Quem poupa o lobo sacrifica as ovelhas", mas os revolucionários são sofisticados. Além de poupar o lobo, o domesticaram - e o transformaram em um dos braços - o mais armado e perigoso - da revolução, o carcereiro do resto da sociedade.

Deus nos ajude.