quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Anthrax

No "Big 4", o Anthrax foi a banda de abertura - o que pode ser considerado injusto, dependendo de pra quem você pergunte. Há muita gente que diria que eles deveriam encerrar a noite.

Como a música em praticamente qualquer gênero acaba imiscuida com aspectos corporativos e mercadológicos, foi o Metallica a fechar a noite em shows que devem ter sido veradeiramente incríveis - se começa com Anthrax, o que pode vir depois?

O Metallica operou a transição entre "And Justice For All" e o "Disco Preto" (como se todos os discos não fossem pretos); o Megadeth lançou "Rust in Peace" e seguiu na cola do "Preto" com o excelente "Countdown to Extinction" - depois disso, as duas bandas se perderam um pouco. É verdade que o Megadeth custou mais a se perder - ainda teve "Youthanasia" e "Cryptic Writings" antes do grande fiasco "Risk", uma tentativa de tornar o som mais comercial com a produção de Dann Huff, uma espécie de Rick Bonadio da música caipira (no mau sentido) americana. O Metallica começou a desandar logo depois do "Disco Preto", com "Load" e "Reload", discos que embora não sejam ruins, não fazem justiça ao material que a banda havia até então produzido. E não se trata apenas dos riscos de se "experimentar"; os dois discos têm poucas músicas realmente boas, soam como uma banda tentando deliberadamente fazer algo que não sabe; a mesma coisa aconteceu com o Megadeth em "Risk", uma diluição exagerada da sonoridade que, até então, vinha sendo conservada sob a formação mais duradoura que a banda já teve.

Sobram o Slayer e o Anthrax.

O Slayer é uma verdadeira reserva moral do thrash metal, jamais tendo decepcionado seu público com experimentações angustiadas ou trazendo a crise da meia idade para dentro do estúdio. O disco que mais se aproximou de um deslize foi "Diabolus in Musica", de 1998. Sob o impacto do chamado "nu metal" cometido por bandas como Korn e congêneres, essa sonoridade parece ter alguma influência sobre as faixas de "Diabolus". Poucas músicas desse disco são tocadas ao vivo pela banda - no show em Curitiba, em junho de 2011, apenas uma, a mediana (perto de "War Esnsemble" e "Catalyst") "Stain of Mind". Depois disso, o Slayer retomou a meada de grandes discos - a qual talvez nunca supere "Divine Intervention", o encontro do Slayer com uma sonoridade moderna, cheia e exuberante, muito mais viva que as mixagens agudas e magras dos discos de thrash metal dos anos 80.

Já o Anthrax teve uma trajetória mais parecida com a do o Black Sabbath, banda que é uma espéciede pedra de roseta do metal. O Black Sabbath, como todo mundo sabe, teve duas fases distintas: Ozzy e Dio, assim como o Deep Purple teve Ian Gillan primeiro e Coverdale/Hughes depois.

Em ambos os casos, os vocalistas da "primeira fase" (ou "Mk I", no caso do Purple), acabarabm voltando depois de muitas atribulações - o que aconteceu há mais tempo com o Deep Purple e muito recentemente com o Black Sabbath, que anunciou há pouco uma reunião da formação clássica que incluirá disco, tour e etc.

A mesma coisa aconteceu com o Anthrax.

Antes mesmo que Joey Belladona se notabilizasse como a voz dos primórdios do Anthrax, a banda teve outro vocalista - e outro baixista, Dan Lilker, o qual saiu e (felizmente) organizou o excelente Nuclear Assault. Com a saída do vocalista Neil Turbin - que gravou "Fistful of Metal" - o posto foi ocupado por Joey Belladona, um descendente mestiço de índios e italianos cujos vocais iam por uma linha mais aguda de metal clássico como Iron Maiden e Judas Priest. Com ele, o Anthrax gravou "Spreading the Disease", "Among the Living", "State of Euphoria" e "Persistence of Time", nos quais está o material verdadeiramente clássico da banda - Madhouse, Medusa, Caught in a Mosh, I Am The Law, Indians, In My World e outras.

Belladona saiu da banda e John Bush entrou; vieram "Sound of White Noise", "Stomp 442", "Vol. 8" e "We´ve Come for you All", o último lançado no longínquo 2003. Outra parte do material clássico do Anthrax está nesses discos - Only, Room for One More, Random Acts of Senseless Violence, Riding Shotgun, Inside Out - e as excelentes "Nobody Knows Anything" e "Refuse to be Denied", de "We´ve Come". Seja como for, talvez jamais sejam tocadas daqui em diante pelo Anthrax - Bush saiu de vez, Belladona voltou e adiantou que prefere não cantar músicas que o primeiro tenha gravado - mais ou menos como a rivalidade entre Ozzy e o saudoso Dio. No caso do Anthrax, há exceções: "Only", um dos maiores sucessos da banda, é frequentemente cantada por Belladona nos shows mais recentes.

O retorno do vocalista original foi fragmentado - a banda reuniu a formação clássica para shows em que "Among the Living" foi tocado do começo ao fim (entre 2005 e 2007), e depois Belladona declarou que sua participação se resumiria a isso, e se retirou mais uma vez. A banda então recruotu Dan Nelson, e o sacou logo em seguida para uma reunião com John Bush em 2009. Em 2010, Bush saiu definitivamente e Belladona voltou, e regravou os vocais de "Worship Music" (já gravados por Nelson), lançado em 13 de setembro de 2011 - um hiato de 8 anos desde "We've Come For You All".

Mais ou menos como quando o Black Sabbath gravou o infame "Born Again", com Ian Gillan nos vocais - apenas um pouco mais confuso.

As similitudes param por aí - porque o Sabbath lançou material bastante decepcionante durante sua trajetória (com destaque para o mencionado "Born Again"), mas o Anthrax não.

Mesmo entre conturbadas mudanças de formação, a banda sempre gravou bons discos, os quais jamais padeceram da falta de vigor e entusiasmo que há tempos assombra o Metallica. As mudanças na sonoridade, é claro, são evidentes: com o ingresso de John Bush, a banda passou a adotar andamentos mais vagarosos, riffs mais espaçados; em um certo sentido, fundaram a vertente que Biohazard e outras bandas similares fizeram florescer. A velocidade de "Caught in a Mosh" passou a ser episódica, ao passo em que, naqueles primeiros discos, os andamentos pesados e mais arrastados é que eram a exceção. Entretanto, as músicas nunca deixaram de entusiasmar, e de ter uma pegada característica - distinguível mesmo entre as diferenças das eras de Belladona e Bush. O Anthrax nunca se pejou de trazer outros elementos para o seu som, como prova a parceria com o Public Enemy em "Bring the Noise" - mas jamais permitiu que isso o diluísse ou o tornasse irreconhecível.

A sonoridade dos discos gravados com John Bush não era imprevisível, mas uma evolução natural do som da banda - subordinada, em certa medida, ao timbre mais grave e estilo mais cadenciado do novo vocalista. Todos os álbuns gravados por ele são bons, e aquilo que não é memorável jamais soa como uma tentativa de emular o som da ocasião, ou fazer cover de si mesmo. Anthrax sempre soou como Anthrax; jamais perdido, jamais equivocado; sempre honesto.

A diferença na sonoridade do Anthrax das eras Belladona e Bush é tão perceptível quanto aquela entre "Vol. 4" e "Heaven and Hell" - é uma escolha difícil dizer qual é o melhor. A decisão acaba sempre tendo mais relação com memória afetiva do que qualquer outra coisa. No fundo, é uma benção que tanto o Black Sabbath quanto o Anthrax tenham lançado os discos que lançaram. "Among the Living" e "Persistence of Time" são marcos tão indeléveis quanto "Sound of White Noise" e "Vol. 8" - não há nada de errado, afinal, em preferir qualquer um deles.

Com o recente retorno de Belladona, a banda gravou o excelente "Worship Music", uma perfeita síntese da sonoridade criada pelo Anthrax ao longo de 30 anos. O vocalista regravou os vocais de Dan Nelson, e diz-se que houve alterações nas faixas para acomodar o amadurecido timbre de Belladona. No final das contas, pouco importa: "Worship" é um grande disco, um dos melhores a ser lançado em 2011 e penhor seguro de que o metal de verdade nunca morrerá.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Batalha dos Aflitos

Hoje na hora do almoço, assistindo o telejornal, reconheci um Oficial da PM do Rio de Janeiro que foi preso por acusações de corrupção. A matéria dizia apenas que ele era árbitro de futebol, mas nada sobre sua atuação mais célebre nos gramados.

E eu o reconheci justamente porque, naquela tarde, as câmeras instaladas no Campo dos Aflitos o filmaram, por horas, tentando controlar os jogadores que disputavam a última vaga (acho que era isso) na série A daquele ano, depois de lances polêmicos, expulsões, pênaltis cobrados e sucessivamente anulados, mais expulsões e outras anomalias.

Todos viram a eletrizante "Batalha dos Aflitos", que virou o documentário apropriadamente chamado "Inacreditável". Lembro da minha incredulidade com os acontecimentos naquela tarde. Minha mãe, que acompanha o futebol muito ocasionalmente, me telefonou e perguntou: "você está vendo isso?" - exatamente assim, sem se referir ao jogo ou ao canal em que ele passava, subentendido que eu sabia do que ela falava - e eu disse que sim, e ela disse que iria desligar e me ligar depois que a partida terminasse, quando quer que isso fosse.

Foi um espetáculo, a Batalha dos Aflitos. Uma dose forte daquilo que chamamos, meio de brincadeira, de "magia do futebol" - o imponderável, o acaso, a aleatoriedade que quase inutiliza o conjunto de regras do futebol e o transforma em outra coisa.

Em muitas ocasiões, os árbitros influem de maneira decisiva e sumária, com a eficiência de uma guilhotina em um lance rápido que decide a partida implacavelmente, como o juiz que não viu Maradona fazer o gol com a mão, ou o desgraçado que apitou o fim enquanto a bola cabeceada (ou chutada?) por Zico viajava para o fundo do gol.

Mas, na Batalha dos Aflitos, a agonia durou horas. Não foi um corte rápido e limpo. Torcedores do Grêmio e do Náutico ficaram pendurados no pincel enquando o jogo se degenerou em uma rixa, paralisado por horas.

Tudo poderia ter sido mais simples e menos épico, não fosse pela atuação ridícula do árbitro Djalma Beltrami. De certa forma e ironicamente, se ele fosse um bom árbitro - aliás, se ele fosse um bom homem - talvez a história de heroísmo daquele jogo jamais tivesse acontecido.

Aquele jogo renhido só virou uma "batalha" porque o árbitro permitiu. Eu não gosto de vaticinar e cagar regra, mas lembro de ter pensado, quando vi ele dar o primeiro passo para trás, acuado por um jogador, que aquilo não ia dar certo. E não deu - Djalma Beltrami expulsou todos os jogadores possíveis antes de ser obrigado a encerrar a partida por WO. Correu pelo gramado acuado por jogadores das duas equipes, como uma galinha cercada para ser abatida. Foi chutado, levou socos - e continuou sendo humilhado pelos jogadores por longo tempo, até que as coisas foram se acalmando.

Foi o próprio Djalma Beltrami que criou essa situação - para ele, para as torcidas do Náutico e Grêmio e para quem assistiu aquele jogo entre a agonia e a euforia. E isso tudo aconteceu apenas porque Beltrami é um frouxo, um homem sem caráter; leniente quando deveria, por seu ofício, ser rigoroso.

É evidente que o árbitro, sozinho ou com a ajuda de seus auxiliares, não pode fazer frente a 11 ou a 22 homens dispostos a lhe surrar - por isso mesmo é que ele exerce sua autoridade antes que isso aconteça. Além de organizar o jogo, aplicar as penalidades e disciplinar os jogadores, cabe ao árbitro impedir uma escalada que culmine, justamente, com a deterioração da sua autoridade dentro do campo. De certa forma, é muito parecido com o tipo de liderança militar que sargentos e oficiais devem exercer: por meio da disciplina e da imposição de respeito.

Mas o ábritro de futebol também é um pouco como um carcereiro: desarmado, cuida de um contingente de pessoas muito superior, está sempre em desvantagem numérica e apenas por meio de uma relação muito complexa com seus vigiados é que ele sobrevive e consegue, em última análise, levar a cabo o seu ofício.

Beltrami não soube fazer uma coisa nem outra: nem liderar, nem impor respeito; não conseguiu impedir que sua autoridade fosse questionada e, depois, desaparecesse.

Não é, portanto, grande surpresa que seja corrupto na sua profissão "verdadeira", a de Policial Militar. Tenete-coronel da PM do Rio, Beltrami comandava um Batalhão e, ao invés de coibir o crime, havia se imiscuído a ele, cobrando propinas para deixar de fazer o que deveria - de forma parecida com a qual não fez o que deveria ter feito na partida que se tornou uma "batalha".

Quando vi na televisão que ele foi preso porque é corrupto, não me surpreendi: é o que se pode esperar, afinal, do homem frouxo, sem caráter, descrente da própria autoridade, da finalidade e importância da sua ocupação.

Amigo da bandidagem que é, Djalma Beltrami vai apitar peladas no pátio da penita - mas certamente não vai errar como errou nos Aflitos, sendo o buraco, na cadeia, muito mais embaixo.