quinta-feira, 2 de maio de 2013



Está morto Jeff Hanneman, guitarrista e principal compositor do Slayer. Isso é triste por diversas razões. Hanneman era novo, tinha apenas 49 anos. A causa da morte pode levar a conjecturas sobre se ela foi, de fato, prematura ou apenas o desfecho previsível de um hábito arraigado - o qual, por sinal, ninguém sabe se era de fato um problema. Dizem que Hanneman era patrocinado pela cervejaria holandesa Heineken e tinha geladeiras personalizadas em casa com um estoque infindável da bebida. Isso pode ser só folclore; só se tem certeza sobre algumas guitarras empunhadas por ele em que a logo da Heineken tinha as letras trocadas para que se lesse "Hanneman".



Foi também uma morte inesperada, já que nada se sabia sobre a saúde de Hanneman - tirante o bizarro acidente que o manteve afastado do Slayer por um longo tempo. Picado por uma aranha marrom enquanto tomava cerveja na banheira, ao que consta ele demorou a tomar as devidas providências. Quando chegou no hospital, a necrose havia se agravado pelo ataque de uma bactéria rara, e o guitarrista quase morreu. Entrevistado a respeito no curso de sua recuperação, ele garantiu que estava bem pois Satã havia cuidado dele. Ultimamente, se especulava sobre seu retorno ao Slayer - na esteira da saída do baterista Dave Lombardo. Novamente, não se sabe.

Na verdade, não importa. Pouco se sabe sobre os integrantes do Slayer, as pessoas físicas. A banda nunca foi objeto de documentários sobre a sua história, jamais expôs ao público o seu funcionamento e suas agruras, como outros fizeram, com resultados mais ou menos constrangedores. Para o Slayer e seu público, bastavam os discos e os shows. Os vídeos das apresentações são concisos e vão direto ao ponto, sem concessões para reminescências, com entrevistas sobre origens e opiniões. Em um dos últimos vídeos do Slayer com Hanneman, o DVD "Big 4", a banda sobe no palco ainda de dia diante de um estádio lotado na Hungria. Não há sequer uma bandeira da banda atrás da bateria: apenas um pano preto. Não há necessidade de nenhum artifício teatral: fogos, cenário, nada. Tom Araya quase não fala com o público, e nunca pede para que "pulem", "gritem" ou "cantem". Ele entra, dá boa noite, agradece, e a banda sai depois do massacre - problema de quem for tocar depois. É difícil superar um show do Slayer; é difícil superar um disco do Slayer. Poucas bandas conseguem ser mais violentas e assustadoras ao descrever o ritual de assassinos em série - seja no apartamento 213, seja em Auschwitz - e o perene derramamento de sangue pela guerra, pelo homicídio, pela ira de deus ou de satanás. O sangue que chove do céu no cataclisma tirado da bíblia; o incesto e a sodomia; o cheiro de carne queimada por napalm. Slayer transformou esquartejamento em poesia em "Piece by Piece" e músicas como "Postmortem" fazem a temperatura do ambiente onde são tocadas baixar até o frio da gaveta de algum necrotério. Slayer causa nojo, repugnância, empolgação juvenil e a vontade de bater a cabeça na borda do palco ou destruir um cômodo da casa: qualquer coisa, menos indiferença. Em um vídeo da banda, "War at the Warfield", lançado em 2003, um fã é entrevistado é muito acertadamente diz o seguinte: "Slayer é a primeira emenda [da Constituição dos EUA]. Slayer é a liberdade de expressão. Slayer é separação entre igreja e estado".


Slayer é a descrição crua do que há de pior na humanidade e dos atos mais ignominiosos cometidos pelo ser humano: genocídios, assassinatos em série, guerra, fundamentalismo religioso. E tudo isso é feito sem o menor laivo de moralidade ou cagação de regra: a descrição é tão cortante e objetiva quanto os riffs compostos, em sua maioria, por Jeff Hanneman. Ao mesmo tempo em que narra, afronta, e como que diz: isso é o que somos. Mas não se fala apenas de insanidade e assassinato: o Slayer também se volta contra o governo e contra a tirania, o alistamento militar, a opressão. As letras pueris sobre magia negra foram deixadas na cesta de CDs das Lojas Americanas em 1992; hoje o Slayer é o que toda banda punk pensou em ser e jamais conseguiu, com a distinta vantagem de soar infinitamente melhor.

É o que o destino reservou para uma banda que já usou maquiagem e era para se chamar "Dragonslayer". Mas não apenas o destino: também as capacidades de Jeff Hanneman. Eis, por exemplo, uma lista de dez solos memoráveis tocados por ele: http://rateyourmusic.com/list/benh_999/top_10_guitar_solos_by_jeff_hanneman

Consulte os encartes de seus CDs: ele escreveu quase tudo. Quase todas as letras, quase todos os riffs. "Angel of Death", um dos maiores clássicos, é dele. Jeff Hanneman É Reign in Blood, o clássico supremo do Slayer. Jeff Hanneman É o Slayer.


As notícias vão chegando, inclusive essa. Parece, afinal, que não foi uma morte tão prematura ou inesperada, para quem sabia das circunstâncias. Só se pode conjecturar o quanto ele precisou beber para se matar aos 49 anos - certamente é uma quantia proporcional à falta que o Slayer fazia em sua vida. E dificilmente haverá Slayer sem Jeff Hanneman. Eis aí um motivo de tristeza - e um cara que, certamente, não vai descansar em paz, mas inzonar o inferno.