terça-feira, 24 de janeiro de 2012

"Xingue-os do que você é, acuse-os do que você faz".

A frase do título é habitualmente atribuída a Lenin. Confesso que nunca pesquisei para saber se há algum escrito seu em que o aforismo apareça, mas pouco importa: as práticas de detratores da democracia em sua luta pelo poder invariavelmente lançam mão desse expediente. No manjado "1984" isso é retratado pela "novilíngua", e Gramsci refinou os mecanismos de manipulação do discurso que tornaram a luta política algo parecido com aquele quadro televisivo em que uma pessoa deveria escolher entre uma mariola e um carro novo sem ouvir qual era a opção.

Esse recurso de retórica, ao lado de outros, é a própria linguagem dos regimes totalitários. Quando o ditador da Coréia do Norte morreu, há algumas semanas, a carta de condolências do PC do B foi uma das leituras mais hilariantes que apareceram. É tão delirantemente dissociada da realidade que só pode mesmo ter alguma função como piada - acho pouco provável que alguém a tenha traduzido para o coreano e entregue no "comitê central" do partido comunista norte-coreano. Seja como for, a linguagem daquele regime é a mesma: enquanto as pessoas morrem de fome porque não há comida para todos, as virtudes de um líder que mandava buscar as melhores iguarias onde quer que fossem encontradas em todo o mundo, e gastava quase um milhão de dólares por ano em conhaque Henessy, eram saudadas com superlativos que até mesmo no Brasil seriam considerados crime eleitoral. Bem, nao há eleições na coréia do norte...

A desocupação da favela paulistana do Pinheirinho, essa semana, deu ensejo a diversas manifestações contrárias ao cumprimento da ordem judicial pela polícia - e a uma nova interpretação e aplicação da Lei de Godwin, notável por sua larga abrangência. Essas manifestações foram coroadas por um infeliz "cartum" de Carlos Latuff: a suástica encimada por uma águia, símbolo utilizado pela alemanha nazista, foi alterada, e no lugar da águia, há um tucano de expressão iracunda.

Não deveria ser novidade. Todos os "cartuns" de Latuff são característicamente binários e simplistas. Seu traço pouco refinado, não por acaso, remete a histórias em quadrinhos de super-heróis (as quais, imagino, ele deve odiar, produto do "imperialismo" que são), com a diferença que até mesmo nesses enredos de fantasia há um pouco da complexidade moral do mundo real que Latuff pretende não existir.

Nos cartuns de Latuff sobre as guerras no Iraque e Afeganistão, por exemplo, soldados voluntários (não há convocação nos EUA desde a guerra do Vietnã) são retratados ora como ingênua massa de manobra, ora como cães-de-fila da indústria petrolífera. Latuff também comete diversos desenhos sobre os problemas palestinos. Um dos mais escandalosos transforma judeus em nazistas - com o requinte de retratá-los com o uniforme idêntico ao dos guardas de campos de conentração alemães. Latuff também saúda o Taliban e o Hamas como uma espécie de liga de super-heróis, em poses características, exaltando a violência e as práticas terroristas dessas organizações. O cartunista desfila habitalmente com uma keffiyah, espécie de cachecol notabilizado por Yasser Arafat, em volta do pescoço - a peça, largamente usada no oriente médio, ironicamente é utilizada também por soldados das forças especiais americanas e inglesas que lá atuam.

Para Latuff - que nutre, aparentemente, verdadeiro fetiche pela suástica - o massacre sistemático de seis milhões de judeus em câmaras de gás e fuzilamentos sumários, por um regime absolutamente insano, é a mesma coisa que os confrontos na faixa de gaza. Certamente, se confrontado, ele dirá que seus desenhos em nada diferem dos cartuns dinamarqueses que tiraram sarro das vertentes radicais do islã e seus homens-bomba - mas um labrador pouco inteligente nota facilmente a diferença.

Carlos Latuff flerta com o mesmo anti-semitismo grosseiro de que acusa meio mundo, do governador de São Paulo ao exército americano e aos próprios habitantes de Israel. Para Latuff, o cumprimento de uma ordem judicial, dependendo de contra quem for dirigido, equivale a nazismo - um regime que causou o maior conflito armado de que o mundo tem notícia, e produziu 73 milhões de mortos ente militares e civis.
Nem seria preciso lembrar da crueldade fetichista do nazismo, da qual Latuff parece não ter notícia: esterilizações em massa, assasinato sistemático de ciganos, homossexuais, judeus, poloneses etc.

Para Latuff, a desocupação por ordem judicial de uma favela é a mesma coisa que o massacre perpetrado pela SS em Oradour-sur-Glane.

Para Latuff, a troca de agressões entre judeus e palestinos iguala os primeiros, ao se defenderem, aos grupos de extermínio nazistas que fuzilavam sumariamente mulheres e crianças no gueto de Varsóvia.

Seus cartuns são reveladores de uma mente atrofiada e fetichista, segundo a qual o mundo é dividido apenas entre oprimidos e opressores, sem quaisquer considerações sobre o contexto em que os acontecimentos se dão. A mentalidade de Latuff ignora as gigantescas estruturas construídas no ocidente que garantiram, por exemplo, que a discussão sobre a desocupação da favela Pinheirinho se desse sob o devido processo legal - não se trata, é evidente, do arbítrio e da força militar da Waffen-SS.

Carlos Latuff, se um dia tivesse poder, faria com seus opositores tudo aquilo que ele gosta de dizer que é feito contra aqueles que gozam de sua simpatia - sem penasr duas vezes. O maior sintoma disso é ele ter posto suas habilidades ao serviço de uma "causa" de maneira tão escandalosa. Sua visão obtusa e simplista, que venera a violência, é profundamente antidemocrática. Fico a imaginar o que ele pensa ao assistir "Gritos do Silêncio" - deve torcer pelos ossos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Genial!

Anônimo disse...

É ingenuidade achar que a decisão pela desapropriação de Pinheirinho não foi arbitrária apenas pelo fato de ter sido proferida por um juiz.
Um juiz federal decidiu pela não desapropriação, concomitantemente a outra decisão. Então porque, na dúvida, decidiram por expulsar os moradores de forma violenta? Há sempre interesses por trás...