segunda-feira, 16 de abril de 2012

Está morto o Captain Crawl



Dizer que o Captain Crawl foi uma espécie de super-herói da internet talvez seja exagero - ou talvez seja pouco, mesmo, considerando a estranha fase de transição, no que diz respeito a música, bandas e discos, pela qual passamos.

Fiquei muito triste quando meu grande amigo Pedro Gonzalez - que foi quem me ensinou que existia o Captain Crawl - me avisou, na semana passada, que o site havia deixado de funcionar. Ao invés de uma eficiente página de buscas (eu achei 3 de cada 5 discos que procurei, se fosse chutar uma média), lá há agora apenas um aviso dando conta de que "problemas legais" e pressão de grandes bandas e gravadoras forçaram o serviço a deixar de existir.

No aviso, diz-se que uma das "bandas grandes" a reclamar seria o Coldplay - e se eu já achava o som deles uma bosta, agora passei a ter razões pessoais para odiá-la.

O Captain Crawl não provia conteúdo - pelo menos não diretamente. Era um "search engine" que buscava, em blogs, não apenas arquivos compactados contendo discos inteiros, mas resenhas, vídeos e artigos sobre música. Para quem tem preguiça de utilizar serviços de "torrent" (o que envolve algumas pentelhações de configuração etc.) é (era) a melhor coisa depois do Napster. Aliás, o sistema de blogs que direcionam para arquivos armazenados nos 4shared da vida - do qual o Captain Crawl era uma espécie de pedra de roseta - resgatam um pouco (ainda que muito pouco, admito) da experiência de ir a uma boa loja de discos. Raramente encontrei um post que apenas direcionasse a um link do magaupload ou congênere. Não raro, há (havia) excelentes resenhas do disco em questão, vídeos, links para outros textos, fotos e muito material interessante. Muitos desses blogs disponibilizam apenas material raro e que não havia sido lançado em CD (a exemplo do também finado Loronix), o que torna a atividade mais "legítima" aos olhos de SOPAS e PIPAS da vida. Afinal, se o download não concorre com um disco que está nas prateleiras da lojas, ninguém está perdendo.

Aliás, se alguém está perdendo é o artista ou seus sucessores, no caso de discos velhos e raros, na medida em que não recebe royalties pelo disco - que não está sendo vendido porque não é mais editado. Culpa, portanto, da gravadora.

Tudo isso, entretanto, está virando uma discussão superada e destinada a rodas de saudosismo de pessoas que ainda se lembram da época em que não existia internet, quando o monopólio da distribuição de música era das gravadoras e - ao menos nos países sérios - o artista podia viver regiamente só dos royalties de seus discos. (No Brasil, é, aparentemente, outra história. Lobão e Tim Maia sempre disseram que nunca recebiam o que deviam receber). Agora, a mamata acabou.

É verdade que "o artista deve ir onde o povo está", e o grande beneficiário dessa mudança no esquema das coisas é justamente o povo, o público de bandas e artistas ainda em atividade (a exemplo do próprio Coldplay, um dos responsáveis pela morte do Captain Crawl) e que precisam pagar as contas e, no mais das vezes, manter um estilo de vida nababesco e acostumado a polpudos cheques mensais preenchidos pelas recém-extintas gravadoras.

Já é possível fazer um balanço do impacto do fim dos direitos-autorais-enquanto-grandes-cheques. Até mesmo o Mark Farner, há anos fora do Grand Funk Railroad e fazendo shows nos quais toca os clássicos da banda com um bom grupo de apoio, veio ao Brasil, e tocou em mais de uma cidade. O Metal Open Air propiciou a muitas bandas de metal de porte médio como Sodom e Exodus verdadeiras tous sul-americanas, com várias datas no Brasil, shows na Bolívia, Colômbia, Peru etc. Bod Dylan tocou por aqui a nada módicos R$ 900,00. Chick Corea, os JB's e Maceo Parker vão tocar em São Paulo em Junho.

Mais do que isso, é possível acompanhar pelo twitter a rotina alucinada de shows de bandas veteranas como Anthrax (30 anos de carreira e 10 discos) e Sepultura (25 anos de carreira e 12 discos), narradas pelos seus integrantes de maneira quase sempre bem-humorada: passagens constantes em alfândegas, jet-lag permanente, desfrute de duas estações do ano na mesma semana etc.

A título de comparação, ainda que grosseira, pela lei brasileira homens podem se aposentar após 35 anos de contribuição - raros são os exemplos de quem, a tão pouco tempo de parar, esteja trabalhando tão duro, como se ainda estivesse no começo da carreira.

Mas, de certa forma, é como se estivessem - e tivessem que refazer o longo caminho que, um dia, os fez chegar ao ponto em que gordos cheques mensais parece que iriam garantir sua tranquila (e precoce) aposentadoria, fazendo shows apenas por diversão, quando lhes desse na telha. Talvez esse fosse o sonho dourado do Coldplay, frustrado pelas radicais mudanças ainda em curso e que, aparentemente, vão obrigar os artistas a trabalhar muito mais do que imaginavam quando se convenceram, no curso de sua carreira, da própria genialidade.

Como as fitas Betamax, A-tracks, MD's e outros formatos que foram engolfados por outras tecnologias, o Captain Crawl foi uma baixa da guerra pelos royalties e pela prevalência da lei do menor esforço pretendida por certos artistas (convencidos de sua genialidade, ou simplesmente por má-fé e preguiça) e pelas gravadoras (de olho nos lucros). Por mais saudade que deixe, é um mártir da idéia de uma nova relação entre artistas e o público - ou nem tão nova assim. Já houve um tempo, muito antes da internet, em que sequer discos existiam, e o artista realmente ia onde o povo estava ou morria de fome. O retorno a essas tradições não será benéfico apenas para o público, mas também para as bandas: quem há de achar ruim viajar o mundo com tudo pago, ficando em hotéis entre ótimos e razoáveis, tocando suas próprias músicas e recebendo por isso? Além disso, shows frequentes mantém os músicos com os cascos afiados, sendo sempre lembrados por seu público e com melhores chances de conquistar novos fãs.

No fim das contas, é vergonhoso para o Coldplay figurar como algoz do Captain Crawl. Diz muito sobre uma geração que atribui importância demais a si própria, pouca a seu público e a uma verdadeira ética de trabalho. Sobretudo é ridículo pois a mudança contra a qual o Coldplay e as gravadoras se insurgem é irrefreável. Ainda não se chegou a uma solução definitiva para a questão do formato (ou ausência dele) e talvez isso nunca seja obtido. O fato é que, para ganhar a vida, as bandas agora vão ter que fazer isso ao vivo, sem intermédiários, e onde quer que se pulico esteja.

Quanto ao Captain Crawl, se ele fosse um super-herói, teria poderes de localizar discos perdidos em arquivos empoeirados de gravadoras e selos que não existem mais, mostrando o caminho aos interessados - isso até tombar pela kriptonita dos Lex Luthors entronizados em escritórios de empresários e atravessadores. Mas, não tema: de uma maneira ou de outra, e igualzinho so Super Homem, ele voltará.

Um comentário:

Diogo F disse...

RESSUSCITARÁ AO TERCEIRO DIA.